Título: Juízes pedem lei anticorrupção ágil
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2010, Nacional, p. A14

Avaliação é de que medidas como a adotada no caso Arruda podem cair nos tribunais, se legislação não mudar

O episódio José Roberto Arruda - primeiro caso no País de governador preso no exercício do mandato - cria um novo paradigma na Justiça. Mas juízes e procuradores criminais avaliam que medidas excepcionais desse alcance podem não se sustentar por muito tempo perante os tribunais, se não houver endurecimento da legislação para réus em processos de corrupção e improbidade.

"A legislação privilegia muito o réu", sentencia Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente da Associação Paulista de Magistrados. Mascaretti prega a necessidade de mudanças nas leis que reprimem danos ao patrimônio, mas vê alternativas para resposta mais imediata. "A prisão cautelar é extraordinária. A legislação que aí está pode e deve ser interpretada de uma forma que se preserve os valores mais caros à sociedade, o valor da moralidade, o da impessoalidade, o da preservação da coisa pública."

Para o desembargador, a desonestidade e os crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro "praticados por políticos e aqueles que têm o dever de bem zelar pelo erário, são muito graves e, por isso, merecem solução rápida". Ele defende até a criação de varas especializadas para cuidar de processos dessa natureza. "Os juízes têm que exigir agilização da persecução criminal e dar prioridade a esses casos mais graves para que os responsáveis por fraudes ao Tesouro venham a ser apenadas em breve espaço de tempo."

"Essa decisão emblemática (prisão de Arruda) é um novo paradigma na Justiça", afirma Marli Ferreira, desembargadora e ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul). Mais que alterações de ordem legal, ela recomenda "mudança de referências e um Judiciário mais independente e, sobretudo, mais respeitado em suas instâncias inferiores".

"O País precisa começar a entender que o magistrado não faz lei", assinala Marli. "O Judiciário cumpre o seu papel, mas a lei é feita por aqueles em quem votamos e colocamos no parlamento. São leis muito benignas, complacentes, suaves. Isso vem da época das colônias, o País nunca teve essa preocupação de punir com rigor o administrador público corrupto, quem agride a sociedade."

DANO SOCIAL

Marli se diz estarrecida com as imagens de dinheiro nas meias e cuecas que marcam o caso Arruda. "O dinheiro fora do lugar sempre estarrece porque a gente recebe nossos subsídios e o governo vem e tira a parte do imposto. Nós, juízes, só podemos viver disso. Não podemos ter outras fontes de renda, não podemos ter um segundo emprego", diz ela.

"Aí você vê aquela complacência com a coisa errada, com o crime, com o desprezo pelo cidadão que votou neles, o desprezo pelo voto. Isso é dano social gravíssimo, um escândalo." Ela afirma que "o Judiciário não consegue mais engolir a impunidade, eles (corruptos) têm que pagar com cadeia ou indenização por danos".

Para o ministro Gilson Dipp, corregedor nacional da Justiça, o caso Arruda "quebrou um modelo porque em relação a administrador público é a primeira vez que são colhidas sérias evidências". "Vai ter fim a ousadia daqueles que adotam práticas antes abrangidas pela sensação concreta de impunidade", prevê o ministro.

"O País está mudando, o povo não suporta mais enfrentar o quadro da imoralidade e da corrupção. Decisões como essa vêm dar maior credibilidade à Justiça", disse o promotor Washington Barra, presidente da Associação Paulista do Ministério Público.

"Em um regime democrático e republicano, as instituições têm que cumprir o seu dever", assevera Luiz Antonio Guimarães Marrey, secretário de Estado de Justiça de São Paulo. "Não pode haver imunidade, ninguém pode estar acima da lei. Se fez algo errado deve responder e caberá à Justiça, ao final do processo, apreciar as provas."

Sobre a fragilidade da legislação, Marrey é taxativo. "O País não pode ficar simplesmente discutindo legislação e colocar toda a culpa nela. O aperfeiçoamento das leis deve sempre ser procurado, mas seria um grande ganho para o País se a legislação em vigor fosse cumprida."

Luiz Flávio Borges D"Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, considera que a prisão do governador tem significado simbólico. "Não acredito que houve mudança. Nem acho que a prisão represente eficácia porque não me parece levar a um ganho processual imediato. A decisão vem revestida, sim, de simbolismo, ele (Arruda) está preso e isso passa uma simbologia muito grande para a Nação."