Título: Com projeto de hidrelétrica, Brasil busca liderar reconstrução do Haiti
Autor: Charleaux, João Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2010, Internacional, p. A16

BNDES disputa financiamento exclusivo para empresas brasileiras; País pressiona por mudança do status da missão

O Brasil espera receber esta semana a aprovação do presidente haitiano, René Préval, para construir uma hidrelétrica de US$ 150 milhões que atenderá pelo menos 600 mil haitianos que vivem na capital, Porto Príncipe, e na cidade de Mirebalais. Se a obra for financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como pretende o Palácio do Planalto, a licitação seria obrigatoriamente restrita a empreiteiras brasileiras.

A usina de energia é, até agora, a cartada mais alta do Brasil para assumir a liderança nos esforços internacionais de reconstrução do Haiti - uma etapa que envolverá bilhões de dólares em licitações internacionais para a remoção de escombros e construção de edifícios, pontes e estradas .

Desde o terremoto do dia 12 de janeiro, que deixou mais de 200 mil mortos, o Brasil vem defendendo a mudança do status da Missão para a Estabilização do Haiti (Minustah) de "imposição da paz" para "reconstrução". Com isso, a ONU passaria a combinar cada vez mais medidas de segurança, como determina seu mandato atual, e ações estruturais.

A proposta já foi rejeitada publicamente pelo representante da ONU no Haiti, o guatemalteco Edmond Mulet, e pode converter-se num ponto de atrito entre o Brasil e as Nações Unidas.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, fará de sua visita a Porto Príncipe, na sexta, uma nova oportunidade para insistir nesta mudança. A novidade não cancelaria, entretanto, os planos do Brasil de enviar mais 900 militares (dos quais 350 já embarcaram nas últimas semanas) para reforçar o atual contingente, que é de 1.266.

Lula também defenderá a extensão do atual mandato da Minustah por mais cinco anos. O mandato atual - o nono desde a primeira missão, em 2004 - terminaria no dia 15 de outubro.

SOLUÇÃO

A usina de 36 megawatts de potência ocuparia uma área de 330 hectares no principal rio do Haiti, o Artibonite, num ponto que está a 60 quilômetros da capital. A obra é considerada pequena para os padrões brasileiros, mas resolveria a maior parte dos problemas de irrigação e energia em Porto Príncipe, onde a eletricidade é racionada e o padrão de consumo é considerado muito baixo.

O chefe do Instituto de Engenharia do Exército, general José Rosalvo Leitão de Almeida, apresentou o projeto ao presidente haitiano, René Préval, na quarta-feira. "O governo do Haiti só tem de tomar uma decisão sobre a realocação de pessoas que vivem no local onde a hidrelétrica será construída, antes de bater o martelo", disse ao Estado.

O projeto da hidrelétrica foi feito pelo Exército brasileiro a partir de uma planta original proposta pelo governo do Canadá. Até agora, o Brasil já desembolsou US$ 3,2 milhões para que os militares fizessem estudos de viabilidade e atualizassem o plano completo de construção da barragem.

Pelo menos três grandes construtoras brasileiras já realizam obras no Haiti e na vizinha República Dominicana e pretendem disputar a construção da nova usina de força - a OAS faz uma rodovia de 86 quilômetros entre as cidades litorâneas de Les Cayes e Jeremi, orçada em US$ 94 milhões. A Norberto Odebrecht reconstruiu parte do aeroporto de Toussaint L""Ouverture, em Porto Príncipe. O serviço foi prestado para a companhia de aviação americana American Airlines e, apesar de ter custado apenas US$ 1 milhão, foi "fundamental para colocar a Odebrecht numa posição privilegiada no Haiti", disse o diretor da construtora nos EUA, Antônio Pinto. Já a empreiteira Andrade Gutierrez faz uma estação de tratamento de água e uma rede de dutos de 250 quilômetros de extensão na República Dominicana.

A forte presença destas empresas na ilha é o trunfo que o BNDES teria para competir com uma oferta de financiamento feita pela Corporação Andina de Fomentos (CAF), sediada em Caracas, e outra do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As duas agências apresentam taxas de juros mais atrativas para o governo haitiano, mas o BNDES argumenta que o custo da obra poderia ser reduzido com financiamento brasileiro porque as construtoras que participariam da licitação já possuem pessoal e maquinário na Ilha de Hispaniola.

A assessoria do presidente brasileiro espera que Préval tome a decisão sobre a nova usina antes da visita de Lula, que deve ficar apenas 5 horas em Porto Príncipe, acompanhado de seu assessor especial para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, e do ministro da Defesa, Nelson Jobim, além de outras autoridades brasileiras.

Lula também dirá que "a comunidade internacional tem de confiar mais no governo haitiano se quiser, de verdade, ajudar na reconstrução", disse um diplomata envolvido na preparação da viagem do presidente brasileiro.

"Até agora, o que temos visto são promessas de ajuda limitadas pela relutância de entregar o dinheiro na mão do governo local, acusado de má gestão e corrupção. Mas isso é cínico porque alimenta um ciclo vicioso", disse. Segundo ele, Lula pretende marcar sua visita mostrando que o Brasil "lidera os esforços de investimento de longo prazo no Haiti".