Título: Fomos coletivamente felizes
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2010, Vida&, p. A27

Foi nessa aula para os alunos de pintura do MuBE que conheci Cristiane Pomeranz. Disse-me que não era aluna de pintura, mas sim monitora de uma organização - arte inclusão - de apoio a pessoas da terceira idade e, entre essas, especialmente doentes de Alzheimer. Abriu-se aqui a porta para um dia seguinte extremamente rico e, de certo modo, impressionante.

Cristiane me informou que viria no dia seguinte com um grupo de sete ou oito doentes de Alzheimer. Perguntei-lhe se poderia assistir. Percebi, então, porque utilizam a pintura para a reabilitação ou, pelo menos, para que não haja o agravamento da situação desses doentes. Como eles esquecem as palavras e as ideias, mas não as imagens, o objetivo é levá-los a ver os quadros e pedir que os interpretem.

Nos dias subsequentes voltam e procuram que se relembrem das interpretações que antes fizeram e recuperem os raciocínios e as interpretações feitas nas visitas anteriores. É fascinante e comovente.

Contou-me a monitora que uma senhora, na véspera, havia visto no meu quadro Entre vós minhas árvores me firmo uma estrada entre as árvores, que dava saída para uma clareira enorme que haveria ao fundo.

Foi quando ela perguntou: "Então, dona Júlia, se lembra do que viu ontem neste quadro?" Ela olhou o quadro, olhou-me, voltou a percorrer o quadro todo com o olhar e, enquanto uma grossa lágrima lhe corria pela face, sussurrou: "Não me lembro?"

Todos se mantiveram em atenta expectativa, olhando para dona Júlia como que para encorajá-la, estimulá-la. De repente, o rosto se iluminou, os olhos brilharam, levantou-se um sorriso. "Espera, olha bem, ali, lá no fundo, um caminho, há uma abertura, uma saída para uma clareira muito bonita!" Foi a emoção e dona Júlia parecia até ter rejuvenescido.

Gostaram muito da tela Trago-vos rosas brancas, rosas pálidas. Dei autógrafos, trocamos abraços, fomos coletivamente felizes. Foi bom. Saí eufórico. Pela rua me apetecia dançar, pular, sei lá o quê. Não era eu nem a minha pintura, era a transmutação da sua poesia. Tinha valido tanto a pena fazer aquela exposição! Tinham-se ultrapassado os fatos. Era outra a realidade.