Título: Obama mira elite do regime iraniano
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2010, Internacional, p. A12

Presidente anuncia sanções unilaterais contra a Guarda Revolucionária do Irã, que controla o programa atômico

AP E NYT, ROBERTO SIMON, WASHINGTON

O governo americano apertou ainda mais o cerco ao Irã, ao anunciar ontem novas sanções unilaterais contra a Guarda Revolucionária - braço armado do regime que, segundo analistas, controla os programas nuclear e balístico de Teerã. O Departamento do Tesouro dos EUA congelou todos os ativos em território americano de Rostam Qasemi, um dos comandantes da unidade iraniana, e de quatro subsidiárias de uma empresa de construção que ele administra.

Desde o governo George W. Bush, Washington vem adotando medidas restritivas diretamente contra integrantes e empresas da Guarda Revolucionária do Irã. As sanções anunciadas ontem reforçam ainda mais o cerco e mostram que o presidente Barack Obama decidiu elevar a pressão a um novo patamar desde que o Irã iniciou o enriquecimento de urânio a 20%, nesta semana.

Unilateral, a medida de ontem não tem relação direta com as sanções que os EUA estão negociando no Conselho de Segurança (CS) da ONU e se restringe ao território americano. Em dezembro, o Congresso já havia tomado uma atitude semelhante ao decidir multar empresas que tinham negócios no Irã e, simultaneamente, atuavam nos EUA. Na época, o banco Credit Suisse teve de pagar US$ 530 milhões aos cofres americanos.

FRACASSO DO DIÁLOGO

Americanos e iranianos voltaram a trocar acusações ontem pelo fracasso do diálogo. Diplomatas dos EUA disseram que haviam oferecido combustível nuclear suficiente para uso médico, mas o governo de Mahmoud Ahmadinejad recusou. Por sua vez, Ali Akbar Salehi, chefe do programa nuclear iraniano, disse que um acordo "ainda está sobre a mesa".

Desde outubro, quando o Irã e o sexteto (formado pelos cinco membros permanentes do CS e a Alemanha) se encontraram em Genebra, a principal proposta para um acordo exigia que iranianos enviassem urânio para ser enriquecido a 20% no exterior. Até o Brasil foi cogitado como receptor do material, no entanto, Rússia, França e eventualmente Turquia estão entre os nomes mais cotados para enriquecer o urânio.

Mas os lados divergem sobre o prazo entre a entrega do material e o recebimento do combustível. Irã exige que a troca seja imediata. EUA querem que o intervalo seja de um ano. Em meio ao impasse, o Irã decidiu ele mesmo enriquecer urânio a 20%. Um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) indicou ontem que o Irã está usando apenas uma fração de sua capacidade para o enriquecimento.

Com as sanções aprovadas ontem, o governo Obama tem um claro objetivo: alijar a Guarda Revolucionária, entidade armada que controla o esforço nuclear iraniano e cujo poder tem crescido rapidamente sob a presidência de Ahmadinejad.

O corpo foi formado pouco após a Revolução Islâmica de 1979 com o propósito de proteger o regime. Segundo a fórmula cunhada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, a Guarda cuidaria da manutenção da República Islâmica, enquanto os clérigos governariam o país.

Mas, com Ahmadinejad, esse equilíbrio foi abalado. O presidente nomeou chefes do corpo para ministérios-chave e, pouco a pouco, fez com que a Guarda controlasse a maior parte das estatais iranianas, responsáveis por 70% da atividade econômica. Contratos bilionários e escusos da indústria petrolífera ainda foram arrematados por líderes do grupo.

Em 2007, um de seus comandantes anunciou que a Guarda passaria a combater "o inimigo interno" e seus soldados e milicianos foram amplamente usados para conter as manifestações do ano passado contra a reeleição de Ahmadinejad. A Guarda Revolucionária é ainda acusada de controlar o mercado negro no Irã - de álcool e cigarros, até componentes de mísseis e centrífugas. Assim, alguns analistas afirmam que um firme embargo ao país beneficiaria, ironicamente, a própria Guarda.

Segundo Mohsen Sazegara, um dos fundadores do grupo, que se exilou nos EUA, a Guarda Revolucionária foi criada para ser algo como um "Exército do povo", mas se tornou uma mistura de "KGB, complexo empresarial e máfia".