Título: Sob pressão de americanos, Doha perde ainda mais força
Autor: Landim, Raquel ; Warth, Anne
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2010, Economia, p. B4

Reunião ministerial é cancelada e embaixadores assumem negociação

A Organização Mundial do Comércio (OMC) cancelou sua reunião ministerial marcada para março e governos já admitem que a conclusão da Rodada Doha ficará para 2011.

Depois de nove anos de negociações e centenas de reuniões, governos não sabem o que fazer com o processo, que prometida gerar bilhões de dólares em abertura de mercados e redução da pobreza. A China e alguns países africanos, já sugerem uma mudança no formato das negociações.

Ainda no auge da crise econômica, o G-20 decidiu colocar a Rodada Doha como um dos pilares da retomada e da reforma do sistema multilateral. Parte da inclusão ocorreu por insistência do governo brasileiro e a meta era concluir a negociação até o fim de 2010.

Os negociadores estariam comprometidos em superar suas diferenças. Estados Unidos e Europa fariam concessões no setor agrícola e os países emergentes considerariam a abertura de seus mercados para bens industriais.

Mas ontem uma reunião na OMC deixou claro que o projeto não tem apoio político. "Estamos encalhados e as diferenças entre os governos são maiores hoje que no passado", disse Fernando de Mateu, embaixador do México na OMC. "Não há uma negociação real há quase dois anos e estamos à beira do abismo", afirmou um delegado do Egito, em nome de todos os países árabes.

Para muitos, a culpa pelo fracasso é do governo americano. Washington pressiona Brasil, China e Índia por aberturas significativas de seus mercados, mas não diz o que está disposto a oferecer em troca. Diante do impasse, o acordo era de que, em março, ministros se reuniriam para determinar o que fazer com a rodada. Agora, a opção foi cancelar a viagem dos ministros. Apenas embaixadores tentarão um acordo.

Fontes confirmaram ao Estado que o cancelamento da participação dos ministros foi exigência do governo Barack Obama. "Será muito difícil fechar alguma coisa em 2010", disse Ujal Bhatia, embaixador da Índia em Genebra. Até o sempre otimista Pascal Lamy, diretor da OMC, mudou de tom. Para ele, a decisão de concluir o processo em 2010 "pertence a ministros". "Neste momento, não temos clareza do tamanho das diferenças", disse. Isso, segundo diplomatas, depois de nove anos de reuniões diárias.

No edifício esvaziado da OMC, as negociações têm sido marcadas por frustração e confusão com o processo. Politicamente, ninguém poderia matar o projeto. Mas, ao mesmo tempo, a manutenção de uma negociação por quase dez anos sem resultados está minando a credibilidade do sistema multilateral. "Não há uma clareza de qual deve ser o caminho a partir de agora", disse um diplomata europeu.

Uma das propostas que começa a ganhar força é que a rodada seja desmembrada e se feche acordo com as questões de consenso.

Essa é a ideia da China e países africanos, que querem ver algum resultado ainda neste ano.

Para os países mais pobres, a meta é conseguir abrir o mercado dos ricos para seus produtos.