Título: Relação EUA-China será marcada pelo confronto, dizem analistas
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2010, Internacional, p. A12

Tibete, Taiwan e disputas comerciais são alguns dos temas que colocam Washington e Pequim em rota de colisão

Os recentes confrontos entre EUA e China marcam uma mudança no relacionamento bilateral, que deverá ser mais conflituoso em razão da autoconfiança adquirida por Pequim depois da crise econômica mundial e da posição mais agressiva do presidente americano, Barack Obama, em relação a questões caras ao Partido Democrata, como a defesa dos direitos humanos e a pressão pela valorização do yuan.

Protagonistas da que é considerada a mais importante relação bilateral do século 21, China e EUA começaram o ano com uma série de divergências em torno de temas que consideram cruciais. Washington anunciou a venda de US$ 6,4 bilhões em armas para Taiwan e confirmou que Obama se encontrará com o dalai-lama ainda este mês. Pequim acabou com a ilusão dos americanos de que apoiaria sanções contra o Irã e reafirmou sua posição contrária à medida.

Yan Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua e um dos mais influentes intelectuais chineses, acredita que a relação entre os dois países passará a ser definida pelas divergências. "Nenhuma relação bilateral é tão importante como a da China com os EUA. Mas isso não significa que eles têm de ser parceiros. A relação será definida pelo conflito e isso a deixará ainda mais importante", disse em entrevista ao Estado.

"O fortalecimento do poder relativo da China, em razão da crise econômica global que nocauteou os EUA, é um elemento fundamental para a compreensão do novo cenário", ressaltou Wang Yong, professor da Escola de Estudos Internacionais e diretor do Centro para Política Econômica Internacional, ambos da Universidade de Pequim. "Houve uma mudança na realidade política e econômica internacional, com o declínio dos EUA. A China está em uma posição mais forte agora."

A assertividade de Pequim ficou evidente em sua reação ao anúncio da venda de armas a Taiwan, na semana passada. Em resposta, a China afirmou que suspenderia a cooperação militar com os EUA e imporia sanções econômicas às empresas envolvidas na operação, entre as quais estão Boeing, Raytheon, Lockheed Martin e United Technologies.

Foi a primeira vez que a reação de Pequim à venda de armas - que ocorre há décadas - foi além de declarações indignadas. Mas, para Yan Xuetong, a resposta foi moderada. "A China não chamou seu embaixador nos EUA nem fixou o valor das sanções econômicas, que, a meu ver, deveriam ser do mesmo montante dos US$ 6,4 bilhões de armas vendidas."

Segundo o professor, o alto valor do contrato é outro fator que motivou a reação chinesa. Essa é uma das maiores vendas de armas dos EUA para Taiwan desde 1990. O montante é semelhante aos US$ 6,46 bilhões vendidos em 2008, no último ano do governo George W. Bush, e só fica abaixo dos US$ 7,71 bilhões registrados em 1993, penúltimo ano de George Bush pai.

No período de 1990 a 2008, os EUA venderam a Taiwan US$ 31,3 bilhões em armas. Depois de 1992 e 2008, o maior valor foi registrado em 2007: US$ 3,72 bilhões. Nos outros 13 anos em que houve vendas de armas à ilha, desde 1990, os valores nunca chegaram a US$ 2 bilhões, com exceção de 1993 (US$ 2,18 bilhões).

Para os chineses, o apoio americano a Taiwan faz parte de um esforço para conter a expansão da China, além de ser uma interferência em seus assuntos internos.

SEPARATISTA

O mesmo raciocínio se aplica ao Tibete. Aos olhos de Pequim, o dalai-lama, com quem Obama se encontrará, não é o líder religioso dos tibetanos, mas o comandante de um movimento separatista que quer dividir e enfraquecer a China.

"Taiwan, Tibete e Xinjiang são questões de vida ou morte para os líderes chineses", observou Wang Yong. Em sua opinião, a relação entre os dois países será "complicada" por conflitos em torno desses temas e de questões comerciais, entre as quais a mais proeminente é a pressão americana para que Pequim valorize sua moeda.

Os dois professores acreditam que a fase mais amigável do relacionamento bilateral ficou para trás e, dificilmente, se repetirá durante a gestão de Obama. "O ponto alto das relações foi a visita do presidente americano à China, em novembro. Ela não voltará a ser como antes", disse Yan Xuetong.

Para Wang Yong, 2010 será especialmente "ruim" em razão das eleições legislativas nos EUA, nas quais os democratas podem perder a maioria no Congresso. "Obama ficará em posição difícil se isso ocorrer. Esse é um dos motivos pelos quais ele adotou uma política mais dura em relação à China, para satisfazer grupos de pressão que o apoiam." O professor, porém, vê espaço para cooperação, especialmente na questão da não-proliferação nuclear e em negociações do G-20.

Wang Yong também considera pouco provável que os confrontos saiam do controle. "Ambos os países têm interesses comuns e se beneficiam com o aumento da cooperação. Os dois lados se conterão para que os conflitos não ameacem a estabilidade global."