Título: Crise na Europa poupa emergentes
Autor: Tamer, Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2010, Economia, p. B15

Agrava-se a crise dos países da zona do euro, que, puxados pela Grécia, afundam em dívidas crescentes, sem perspectiva de poder financiá-las no curto prazo. As poucas portas de saída estão fechada pelas regras da zona do euro. Não podem desvalorizar sua moeda, que não é mais sua, é o euro. Outra medida que parece inevitável é o aumento de impostos. Dolorosa. Acabaria com qualquer possibilidade de crescimento nos próximos anos, pressionaria a inflação e já está provocando reações populares que podem ganhar impulso. Além disso, cortes dolorosos nos gastos públicos podem chegar aos investimentos. Essa é a análise do economista-chefe do BNP Paribas, André Luiz, em conversa com a coluna.

SAIR DO EURO?

E se os países em crise, Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, batizados de Piigs, na sigla em inglês, saíssem do euro? André Luiz não acha possível. "A saída dos Piigs da zona do euro, seguida de desvalorização cambial, não é uma opção viável, dado que o endividamento das famílias e empresas é em euros. Isso levaria a uma severa crise interna. O processo de redução do endividamento não será fácil. A recessão será severa nos Piigs."

E o aperto fiscal? O economista-chefe do BNP Paris responde com outra pergunta: "Qual é a capacidade desses países de pôr em prática um aperto fiscal tão duro (via corte de gastos e aumento de impostos) quando as pessoas começarem a sair às ruas para protestar? Em consequência, os investidores ficarão ansiosos e o custo de financiamento desses países permanecerá elevado, impondo uma pressão constante sobre o equilíbrio fiscal e financeiro da região".

UM EURO MAIS FRACO

Sim, mas anuncia-se um pacote para conter a crise, pelo menos no momento. "O FMI e a União Europeia provavelmente virão com pacotes de resgates, incluindo a emissão de garantias para a dívida dos países, com maior custo de captação. Serão soluções paliativas, pois enquanto os Piigs não apresentarem seus motores próprios de crescimento, a instabilidade econômica, financeira e social prevalecerá. Não há outra condição de equilíbrio para a zona do euro, a não ser aceitar uma moeda enfraquecida nos próximos anos, de forma a minimizar a dor dos Piigs. Uma moeda fraca, que levará ao aumento do risco de inflação. O Banco Central Europeu (BCE) aceitará esse risco, mantendo as condições monetárias frouxas e o câmbio fraco? Não sei... 2010 será um ano desafiador.

CONHECEMOS ESSA HISTÓRIA

A pergunta inevitável: E nós? "É importante ressaltar aqui a grande diferença que existe entre as economias avançadas e emergentes. O aumento forte de endividamento do setor público observado no mundo em 2009 não foi notado nas economias emergentes. Por elas serem menos alavancadas, endividadas, não apresentaram problemas, tais como a quebra do sistema bancário e absorção pelo setor público de enormes perdas financeiras.

Esse fato será um divisor de águas para a economia global na próxima década. Diferentemente das economias avançadas, que precisarão passar por um processo de redução de endividamento - demandando políticas fiscais muito apertadas, baixa expansão do crédito e crescimento econômico baixo -, as economias emergentes não terão de colocar em prática políticas que conspirem contra o crescimento," afirma o economista-chefe do BNP Paribas.

Para ele, a situação dos Piigs não é fácil. "Nós, brasileiros, conhecemos bem o ciclo vicioso gerado por crises de endividamento. Países com problema de dívida, caso não queiram entrar em inadimplência, precisam realizar apertos fiscais importantes, aumentar impostos."

É o que lhes resta dentro das normas da eurozona. Decididamente, vamos ter anos difíceis e turbulentos na eurozona, que passa pelo seu primeiro teste. Um teste que se iniciou em janeiro e levará alguns anos para terminar.

A coluna pode prever anos de baixo crescimento econômico, após uma recessão severa e uma resposta pouco eficiente e unificada à crise que abalou a economia mundial.

Mas não a nossa. O câmbio esteve sempre na origem de todas as crises passadas. Agora, não. Fizemos reservas, mantivemos credibilidade, por meio de uma política econômica consistente, um sistema bancário e financeiro saudável e, acima de tudo, agimos antes que a onda maior chegasse. Não fosse isso, o tsunami não teria virado marola...

O problema, agora, é deles, mas podem fazer pouco porque têm uma moeda comum, mas não uma economia unificada.

André Luiz lembra que história do superciclo de endividamento global, que teve início no pós-guerra culminou em uma crise sem precedentes, no final dos anos 2000. A crise global - que teve como ápice a quebra da banco de investimento americano Lehman Brothers, em setembro de 2008 - ocorreu em razão do problema de excesso de endividamento e a sua solução passará necessariamente por uma redução significativa desse estoque de dívida. Em 2009 não houve ajuste nenhum.