Título: O Tea Party
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2010, Notas e informações, p. A3

O movimento Tea Party ganha força nos Estados Unidos. É mais sério do que se imaginava há algumas semanas e já são nítidas as suas repercussões político-eleitorais. Os americanos que se reúnem e saem às ruas para protestar contra o governo grande e intrusivo, cada vez mais gastador, mostram como é arraigada nos EUA a noção que tributaristas chamam de cidadania fiscal. Os contribuintes americanos têm perfeita consciência de que serão eles, seus filhos ou netos que serão convocados a pagar os pesados déficits orçamentários que elevam continuamente a dívida pública. O Tea Party, porém, corre o risco de vir a ser dominado pelo radicalismo de direita, acentuando a polarização da sociedade americana e abalando a estrutura bipartidária do país.

Que a situação fiscal é grave é indiscutível. O déficit fiscal dos EUA deve fechar neste ano em US$ 1,5 trilhão e a dívida pública, em expansão, já alcança US$ 12,357 trilhões.

Tendo começado anarquicamente aqui e ali, o movimento Tea Party se espalhou rapidamente pelos EUA em menos de um ano. Como informou a correspondente do Estado em Washington, Patrícia Campos Mello, o grupo é bastante heterogêneo. Reúne desde ativistas anti-impostos e libertários antigoverno, passando por fãs da escritora Ayn Rand (proponente do "egoísmo racional") e do ex-presidente Ronald Reagan, ícone dos conservadores, até radicais contra a imigração, cristãos extremistas e pessoas que acreditam que o presidente Barack Obama nasceu no Quênia. Em comum, o movimento é "contra tudo o que está aí".

Como seria de esperar, em discurso na sessão de encerramento da primeira conferência do Tea Party, em Nashville, no último fim de semana, Sarah Palin, ex-candidata a vice-presidente em 2008 na chapa de John McCain, atacou os principais itens do programa de Barack Obama. Para ela, são absolutamente inaceitáveis a reforma do sistema de saúde, socorro a Wall Street, pacotes de estímulo de emprego, controle da poluição industrial (cap and trade) e a decisão de assegurar direitos constitucionais a terroristas, que deveriam ser julgados por tribunais militares como combatentes inimigos.

Palin não assumiu formalmente a liderança do Tea Party, mas é hoje sua figura mais expressiva. Desde que renunciou a seu mandato como governadora do Alasca em julho do ano passado, ela vem-se projetando na cena política principalmente por apresentar-se como uma pessoa comum, não intelectualizada, em contraste com o elitismo que, em sua opinião, predomina em Washington.

Diferentemente do Tea Party histórico de 1773, precursor da Revolução Americana, o Tea Party do século 21 não é um movimento de desobediência civil, mas eminentemente eleitoral. O ativismo de seus adeptos certamente influiu na vitória de candidatos republicanos aos governos dos Estados de Virgínia e de Nova Jersey e na escolha em janeiro deste ano do republicano Scott Brown em Massachusetts, um Estado tradicionalmente democrata, para suceder o democrata Ted Kennedy no Senado.

A vitória de Brown é interpretada por alguns analistas como uma virada à direita do eleitorado. Seja como for, o quadro político americano mudou. O Tea Party pode ser decisivo nas eleições de novembro deste ano, quando estarão em jogo 36 cadeiras no Senado, todas as cadeiras da Câmara dos Representantes, além de governadores de 39 dos 50 Estados. Mas parece excluída a hipótese de o Tea Party se transformar em um terceiro partido ou ter um candidato próprio à Casa Branca em 2012. Ao dividir o eleitorado conservador e independente, um terceiro candidato, com boa penetração no eleitorado, favoreceria os democratas. O mais provável é que o Partido Republicano absorva o Tea Party ou seu ideário básico.

O que se nota nos EUA - e não só lá - é uma forte reação contra os efeitos de pacotes de ajuda para reerguer a economia, com infusão maciça de recursos públicos para salvar o sistema financeiro e impedir uma recessão mais profunda. Estas medidas podem ter tido êxito em evitar o pior, mas geraram elevados déficits públicos, ocasionando novos ônus para os cidadãos. Como os níveis de emprego evoluem muito lentamente, está criado o ambiente para movimentos de protesto. O grande mérito das democracias é encaminhá-los pela via de eleições livres.