Título: Crise grega ameaça países ricos
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2010, Economia, p. B5

Dívida soberana dos países ricos está no centro da nova etapa da crise econômica mundial, dizem economistas

A Grécia é apenas o começo de uma segunda onda de quebradeira mundial - depois da turbulência financeira de 2008, agora é o excesso de endividamento dos governos dos países avançados que vai abalar a economia. Esse é o alerta do economista Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Rogoff analisou 800 anos de crises financeiras para escrever seu livro Desta vez é diferente: oito séculos de loucuras financeiras, em parceria com Carmen Reinhart.

"Há vários outros países no radar: Irlanda, Portugal, Espanha", disse Rogoff ao Estado. Fora da zona do euro, Romênia, Hungria e os países bálticos seriam outras nações bastante frágeis. Os dois economistas chegaram à conclusão de que um padrão se repete ao longo da história: depois de crises bancárias como a que atingiu o mundo em 2008, após a quebra do Lehman Brothers, há sempre uma onda de crises de endividamento soberano. Para salvar os sistemas financeiros, os governos se endividam. Poucos anos depois, vive-se uma onda de crises e calotes de dívidas soberanas. Ou seja, depois de uma crise de sistema financeiro, vem aí uma crise de dívida soberana.

Outro que vê uma nova onda de quebras é o economista Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York. Roubini foi um dos únicos a prever a crise de 2008. Nesta semana, em uma teleconferência com investidores, ele foi taxativo: "Os problemas da Grécia e da zona do euro são um sinal do que está por vir", disse. "Houve uma socialização das perdas do sistema financeiro e do mercado imobiliário, e agora há enormes déficits do orçamento e as dívidas públicas quase dobraram, portanto vemos risco soberano sério não apenas na Grécia, mas também em Portugal e Espanha, e se espalhando no futuro para Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão."

E Niall Ferguson, em artigo no Financial Times da semana passada, engrossou o coro dos pessimistas. "Começou em Atenas. Está se espalhando para Lisboa e Madri. Mas seria um erro grave achar que a crise de dívida soberana em curso ficará confinada às economias mais fracas da zona do euro. Isso é mais do que um problema mediterrâneo. Trata-se de uma crise fiscal do mundo ocidental", escreveu o influente professor de história econômica da Universidade Harvard.

Rogoff e Carmen publicaram em janeiro um estudo que serve de continuação de seu livro Crescimento em tempo de dívida. Mesmo em países onde um calote soberano não é provável - Grã-Bretanha, EUA e Japão -, a dívida pública aumentou tanto com o salvamento do sistema financeiro e os pacotes de estímulo, que essas nações terão crescimento anêmico por anos. Segundo Rogoff, quando o endividamento se aproxima dos 90% do PIB, atua como freio ao crescimento. "Esses países terão crescimento abaixo do potencial durante anos."

Segundo o economista, o nível de endividamento dos países mais afetados pela crise subiu 75% desde 2007. Em novembro de 2009, o FMI estimou que o déficit fiscal das economias avançadas subiria de 2% do PIB em 2007 para mais de 8% em 2009-2010 e ficará em cerca de 5% em 2014.

A relação dívida bruta-PIB nas economias avançadas vai sair de 78% em 2007 para 99% em 2009, 106% em 2010 e 118% até 2014. Em 2009-2010, Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha e Irlanda terão relação dívida-PIB acima de 70% por causa de aumento nos déficits do orçamento, por causa de estímulos fiscais, pacotes de resgates ao sistema financeiro e queda na arrecadação. A Grécia e a Itália terão dívida acima de 100% do PIB e o Japão, acima de 200%. Até 2014, Grã-Bretanha, EUA, Itália, Alemanha e França terão dívidas entre 90% e 100% do PIB, e no Japão, o endividamento vai exceder 240% do PIB.

Os EUA não estão próximos de nada parecido com calote. E, com a Europa mais instável, mais investidores devem estacionar seu dinheiro em títulos americanos, facilitando o financiamento da dívida monumental de US$ 12,5 trilhões. Mesmo assim, a situação a médio prazo assusta. De acordo com novas projeções da Casa Branca, o déficit do orçamento este ano deve ficar na faixa de 11% do PIB.

Os chineses já reduziram de forma significativa a compra de títulos americanos. Em 2006, compraram 47% dos novos títulos emitidos; em 2008, 20% e no ano passado, apenas 5%. O Morgan Stanley estima que a remuneração dos títulos de 10 anos vai subir de 3,5% para 5,5% até o fim do ano. E, na semana passada, a Moody"s alertou que a classificação AAA (máxima possível) dos EUA não deveria ser encarada como garantida.

Como disse o conselheiro econômico da Casa Branca, Larry Summers, antes de entrar no governo: "Por quanto tempo o maior devedor do mundo pode continuar a ser a maior potência do mundo?"

A Fitch, em relatório de dezembro de 2009, afirmou que, para preservar o status AAA, os países precisam "implementar planos confiáveis de consolidação fiscal e precisam gerar superávits primários para manter a confiança dos investidores, além de manter a inflação baixa e estável".

"Quase todos os países ricos estão com grandes níveis de endividamento, enquanto os emergentes estão se comportando de forma muito mais responsável", disse ao Estado Desmond Lachman, pesquisador do American Enterprise Institute que foi vice-diretor de desenvolvimento de políticas no FMI. No Japão, onde a dívida se aproxima dos 200% do PIB, "não se pergunta mais se vai haver um desastre, mas sim quando haverá um desastre". "É dívida demais. Muitos países terão de dar calote em parte da dívida, senão será impossível crescer", diz Lachman.