Título: Não há saída política à vista
Autor: Nogueira, Rui
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2010, Nacional, p. A7

A renúncia do governador em exercício, Paulo Octávio, reforça a ideia de que é cada dia mais remota uma saída política para a crise de Brasília. É possível até que a intervenção federal não se consume, mas à medida que o escândalo produz seus efeitos, os fatos vão confirmando o roteiro que sustenta sua defesa pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

A renúncia de ontem é o segundo capítulo de uma novela que promete ser longa. Preso o governador, o vice, personagem de prestígio na cidade - que o elegeu senador e depois vice-governador -, não conseguiu reunir em torno de seu nome o apoio mínimo para um acordo que lhe permitisse cumprir menos de um ano de mandato.

Não pedia muito, raciocinou, se considerado o interesse comum de seus interlocutores em evitar o que mais os atemoriza - uma intervenção federal a pôr em xeque a autonomia política de Brasília. Parecia lógico, mas sua dupla condição de suspeito e investigado não autorizava o otimismo que o levou a imaginar-se elemento estabilizador do processo.

Com sua renúncia avança-se para o terceiro capítulo do pedido de intervenção feito por Gurgel ao Supremo Tribunal Federal: aquele que projeta um cenário de acefalia de poder na capital. Sem governador e sem vice, o comando será ocupado pelo presidente da Câmara, Wilson Lima, recém alçado ao posto numa improvisada eleição imposta pela renúncia do titular, Leonardo Prudente, flagrado escondendo propina nas meias.

Despreparado para o cargo, Lima pouco poderá fazer porque o governador ainda é José Roberto Arruda, que ninguém imagina novamente no posto, mas que está apenas licenciado.

Seu processo de impeachment foi deflagrado na Câmara Legislativa, por falta de outra alternativa. Vão julgá-lo deputados sobre os quais pesa consistente acusação de suborno para aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial de Brasília (PDOT), que alterou a lei para abrir novas áreas à especulação imobiliária em Brasília.

Pela denúncia de Durval Barbosa, parlamentares da base aliada receberam, cada um, R$ 420 mil pelo voto favorável ao plano. Como o PDOT foi aprovado por 18 votos a favor, essa conta fecha em R$ 7,5 milhões.

Uma gravação em que Arruda cita desembargadores como possíveis aliados levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a questioná-los junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). Talvez resida nesse fato a declaração pública inusitada do presidente do tribunal, Nívio Gonçalves, de que não quer assumir o governo do Distrito Federal se o efeito dominó fizer a interinidade chegar até ele.

É nesse contexto epidêmico, de uma semiacefalia que se fundamenta o pedido de intervenção da Procuradoria-Geral da República. Em todos os ambientes institucionais e políticos em que o assunto é debatido, há, pelo menos, um consenso: ninguém deseja a intervenção, mas até agora ninguém tem a fórmula para evitá-la.