Título: Investimento não cobre déficit pela 1ª vez em 9 anos
Autor: Nakagawa, Fernando ; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2010, Economia, p. B8

Investimento Estrangeiro Direto vai a 1,52% do PIB, mas conta corrente registrou saldo negativo de 1,56% do PIB

Pela primeira vez desde dezembro de 2001, o investimento na produção de bens e serviços acumulado em 12 meses não foi suficiente para cobrir o saldo negativo da conta de transações correntes do mesmo período. O Investimento Estrangeiro Direto (IED) acumulou ingressos de US$ 24,8 bilhões (1,52% do Produto Interno Bruto) nos 12 meses encerrados em janeiro, enquanto a conta corrente ? que registra todas as operações de bens e serviços do Brasil com o exterior ? teve saldo negativo de US$ 25,4 bilhões, correspondente a 1,56% do PIB na mesma base de comparação.

Considerando somente o mês de janeiro, o quadro foi pior: o ingresso de investimento produtivo despencou, somando US$ 789 milhões, o pior resultado para o mês desde 1996. Enquanto isso, o déficit em conta corrente ficou em US$ 3,84 bilhões. Ou seja, para fechar as contas externas do País foi decisivo o ingresso de capital estritamente financeiro (ações, renda fixa e empréstimos) tanto no mês como no acumulado em 12 meses. Há cinco meses o País não consegue financiar seu déficit externo apenas com o IED.

Se confirmadas as projeções do Banco Central (BC), essa situação de déficit em conta corrente maior que o IED em 12 meses deve persistir e até piorar um pouco em fevereiro. O chefe adjunto do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, no entanto, minimizou o problema. Segundo ele, a diferença é pequena e reflete uma tendência que já se desenhava desde o ano passado de aproximação entre o déficit na conta corrente e os ingressos de IED.

Para o fechamento do ano, o BC trabalha com um cenário em que o fluxo de IED, de US$ 45 bilhões, será suficiente para cobrir o déficit externo, estimado em US$ 40 bilhões.

O professor da PUC-SP e especialista em contas externas Antônio Corrêa de Lacerda trabalha com um cenário diferente. Nas estimativas dele, o IED fechará este ano em US$ 40 bilhões, enquanto a conta corrente terá déficit de US$ 45 bilhões. Para ele, essa situação não é problemática em 2010 porque o saldo negativo está sendo compensado com recursos financeiros.

Como tendência de longo prazo, no entanto, a rápida aceleração do déficit externo e a insuficiência de IED para suprir esse rombo é algo que preocupa. "Defendo que o Brasil deve evitar trabalhar com déficits externos elevados. A conta corrente está piorando muito rapidamente. Isso pode ser um problema para depois de 2010", disse Lacerda. "A continuação dessa tendência além deste ano gera o risco de retorno da vulnerabilidade externa que lutamos tanto para reverter."

Diferentemente do BC, Lacerda entende que a aceleração do déficit externo tem mais a ver com o câmbio. "A situação da conta corrente é um espelho do câmbio valorizado", disse o economista, que defendeu uma atuação mais intensa do BC para elevar a cotação do real ante o dólar.

Segundo o economista, apesar de ter havido uma desvalorização do real nas últimas semanas, o movimento foi pequeno e ainda compensado pela queda de outras moedas. Para Lacerda, desengavetar propostas de estímulo à exportação ajudaria, mas não resolveria o problema, em razão de o câmbio estar valorizado.

Apesar da preocupação com a tendência de longo prazo das contas externas, Lacerda avaliou que o fraco resultado do IED de US$ 789 milhões em janeiro foi pontual. "Assim como foi pontual o ingresso de mais de US$ 5 bilhões em dezembro. Em fevereiro, os números já mostram uma volta à normalidade para essa conta", disse, referindo-se ao ingresso de US$ 2,2 bilhões de IED registrados pelo BC em fevereiro, até ontem. O BC prevê ingressos de US$ 2,7 bilhões de investimentos produtivos.