Título: O gargalo do saneamento
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2010, Notas e informações, p. A3

No papel, os projetos do governo Lula para melhorar a qualidade de vida nas cidades, sobretudo para a população mais pobre, e as mudanças na legislação aprovadas nos últimos sete anos parecem coerentes, articulando as diferentes ações públicas, para torná-las mais eficazes. O problema começa no momento de tirar as ideias do papel. As ações, de fato, não são concatenadas e, por isso, os programas não andam.

O caso mais notório de falta de coordenação entre os programas destinados às cidades está no descompasso entre os planos habitacionais e os de saneamento básico. Dos R$ 21 bilhões disponíveis em três fundos públicos para a construção de moradias em 2009, apenas R$ 3,26 bilhões, ou 15,5%, foram contratados, como mostrou o jornal O Globo (14/2). É um resultado decepcionante.

O principal obstáculo para a construção de moradias é a falta de saneamento básico. Embora haja recursos também para a ampliação do sistema de água e esgotos, muitos problemas impedem a execução das obras. O mais grave deles é a desorganização administrativa e financeira de grande parte das empresas estaduais de saneamento, que as impede de tomar empréstimos. Como titulares dos serviços de saneamento em sua área de atuação, só elas têm o direito de investir no setor, mas não o fazem porque não têm recursos próprios nem podem obter financiamentos.

Segundo a Política Nacional de Habitação, definida em 2004, a habitação não se restringe às casas, mas incorpora também o direito à infraestrutura, ao saneamento ambiental, a sistemas de transportes coletivos e a equipamentos urbanos e sociais. Um diagnóstico apresentado pelo Ministério das Cidades na época da elaboração dessa política mostrou que até então havia "escassa articulação dos programas habitacionais com a política de desenvolvimento urbano", o que inclui as ações de saneamento ambiental, daí a existência de grande número de habitações urbanas com algum tipo de carência.

Por isso, a lei que criou, em 2005, o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social estabeleceu que os recursos desse sistema só serão aplicados em programas habitacionais que, entre outras exigências, incluam a implantação de sistema de saneamento básico, infraestrutura e equipamentos urbanos.

A Lei Geral do Saneamento Básico, de janeiro de 2007, por sua vez, estabelece, entre os princípios da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, a articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional e de habitação.

Quase 100 milhões de brasileiros não têm atendimento adequado de coleta de esgoto e 34 milhões não dispõem de abastecimento regular de água, de acordo com o IBGE. A falta de saneamento gera um sério problema de saúde pública. Estima-se que, no País, ocorram 800 internações diárias por doenças provocadas por falta de condições apropriadas de saneamento ambiental.

Os planos do governo federal para o setor são ambiciosos. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê investimentos de R$ 40 bilhões em quatro anos. Calcula-se que, para atender toda população brasileira com rede de água e esgotos, são necessários investimentos anuais de R$ 10 bilhões durante pelo menos 20 anos.

Mesmo que haja recursos, nem sempre há condições de transformá-los em obras. De acordo com a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), de 27 empresas estaduais de saneamento, apenas 7 têm condições financeiras de tomar empréstimos do FGTS. Isso explica a baixa utilização dos recursos para investimentos no setor. Entre 2003 e 2008, diz a Abdib, houve a disponibilidade de R$ 18 bilhões, dos quais R$ 8,2 bilhões foram tomados pelas empresas, mas só R$ 3 bilhões foram efetivamente utilizados.

O dinheiro do FGTS pertence ao trabalhador e deve ser remunerado adequadamente, razão pela qual só pode ser oferecido a empresas que apresentem garantias. Se não passarem por uma séria e profunda reestruturação, muitas empresas estaduais continuarão sem condições de tomar esse dinheiro - e continuarão empacando não apenas os programas de saneamento, mas também os de habitação.