Título: Declaração pró-Irã desagrada a especialistas
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2010, Nacional, p. A7

Professor vê "obsessão pessoal" por liderança internacional

As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na entrevista ao Estado, sobre o apoio de seu governo ao Irã e à Venezuela provocaram polêmicas. Na opinião do analista José Guilhon Albuquerque, professor titular aposentado de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da USP, do ponto de vista objetivo não há nada que justifique o apoio brasileiro ao iraniano Mahmoud Ahmadinejad. "Não é compreensível o Brasil apoiar e jogar tanto a favor de um país que é um pária internacional."

Para o especialista, esse apoio só pode ser compreendido a partir de razões pessoais do presidente Lula. "Ele tem uma espécie de obsessão pessoal por um papel de liderança internacional - que é compartilhada pelos formuladores da política externa de seu governo", disse. "Essa obsessão faz com que passe por cima de interesses econômicos, políticos, financeiros, regionais. Poderíamos citar uns dez episódios em que o País jogou todas as suas fichas, buscando esse papel de liderança, e fracassou. A lista incluiria desde a disputa por cargos de pequeno destaque em organizações internacionais ao caso de Honduras."

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor de Relações Internacionais Marcelo Coutinho disse que também considera difícil encontrar razões que justifiquem a aproximação com Teerã. "Há apenas hipóteses", afirmou. "Uma delas seria a influência antiamericana de determinados setores do governo e da diplomacia brasileira, que defenderiam relações com regimes antiamericanos."

O professor Clodoaldo Bueno, do curso de pós-graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC, disse estranhar o fato de o Brasil se alinhar contra nações do Ocidente em momento tão delicado. "A única explicação plausível que encontro é a tentativa de ser um interlocutor global, capaz de discutir as grandes questões internacionais. Mas até agora não vi os benefícios que podemos auferir com essa preocupação."

Bueno também se referiu à questão da Venezuela, que, segundo as declarações de Lula, vive uma democracia sob o governo de Hugo Chávez. "Depende do que ele entende por democracia. Pelo que tenho lido a respeito das interferências nos meios de comunicação e os plebiscitos na Venezuela, não há configuração de uma democracia."

O tema também foi abordado pelo professor Bueno, da UFRJ. Ele disse que as declarações sobre o governo Chávez revelam uma posição cautelosa em relação aos vizinhos. O problema, segundo o analista, é que Lula nem sempre mostra tal cuidado: "Ele deixou de lado a cautela no caso hondurenho, dizendo de maneira intransigente que não reconheceria as eleições, antes de ocorrerem."

As posições de Lula foram apoiadas pelo professor Reginaldo Nasser, do curso de Relações Internacionais da PUC e da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado. "O que o presidente Lula está dizendo é que é perfeitamente possível sentar com o Irã numa mesa de negociação. O Brasil deve condenar a repressão política e defender mudanças no governo iraniano, que caminha para uma ditadura. Mas é ilusão supor que a mudança do regime irá alterar a política nuclear daquele país, porque é uma política de Estado e não de governo, assim como na Índia e em Israel. Isso não quer dizer que não seja possível uma negociação."