Título: Lobbies tentam rebaixar Brasil em lista de propriedade intelectual
Autor: Mello, Patrícia Campos ; Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2010, Economia, p. B4
Grupos empresariais se mobilizam por uma contrarretaliação ao Brasil na disputa comercial do algodão
Os lobbies americanos estão pedindo ao governo dos Estados Unidos para piorar a classificação do Brasil na lista de países que desrespeitam a propriedade intelectual. Se for aceita, a medida será uma contrarretaliação à ameaça brasileira de quebrar patentes para obrigar os EUA a reduzirem os subsídios aos produtores de algodão.
O setor privado brasileiro avalia que o pedido não faz sentido porque o País foi autorizado a retaliar os EUA pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Com o apoio até mesmo de companhias americanas, entidades empresariais brasileiras apresentaram um pedido ao USTR, o Escritório Comercial dos EUA, para retirar o Brasil da lista negra da propriedade intelectual.
O documento de 19 páginas enumera os avanços do País, como o aumento do número de criminosos presos por pirataria e contrabando, que subiu de 249 em 2008 para 526 no ano passado. A petição é assinada por Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Coalizão de Indústrias Brasileiras em Washington e Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.
Os EUA elaboram anualmente uma lista de países que não protegem a propriedade intelectual, como patentes, direitos de autor e cultivares de plantas. A lista não é reconhecida pelos fóruns internacionais, mas ainda assim é muito importante para a imagem dos países entre os investidores. As nações incluídas também ficam sujeitas a sanções comerciais dos EUA.
O governo americano encerrou na última quinta-feira uma consulta pública sobre o tema. A discussão coincidiu com momentos tensos nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Até o início de março, o País vai divulgar a lista dos produtos sujeitos a restrições quando vierem dos Estados Unidos. O governo brasileiro também editou uma medida provisória que permite a suspensão dos direitos de propriedade intelectual.
O caso do algodão já se arrasta há oito anos. O Brasil venceu a disputa na OMC, mas os EUA não retiraram os subsídios aos produtores de algodão. O xerife do comércio mundial, então, autorizou a retaliação.
Os lobbies americanos aproveitaram a revisão da lista negra de propriedade intelectual para pressionar o Brasil. A Phrma, associação que reúne a indústria farmacêutica dos EUA, pediu o rebaixamento do País. Em documento enviado ao USTR, Brian Toohey, representante da Phrma, diz que o Brasil deveria passar da "Watch List" para a "Priority Watch List".
A lista americana tem três classificações: a "Watch List", de países que apresentam práticas pontuais de violação da propriedade intelectual, a "Priority Watch List", de países com graves problemas, e a "Priority Foreign Country", de nações com políticas que prejudicam os interesses americanos. Desde 2007, o Brasil está na "Watch List". Entre 2002 e 2006, o País permaneceu na "Priority Watch List" por causa da ameaça de quebrar patentes de medicamentos contra a aids.
A Phrma não menciona diretamente a possibilidade de o Brasil fazer retaliação cruzada, atingindo direitos à propriedade intelectual, mas se refere à atuação do País em fóruns multilaterais. "As ações do governo do Brasil na arena multilateral têm o objetivo claro de reduzir o nível de proteção de patentes em todas as áreas tecnológicas", diz o documento.
A Aliança Internacional para Propriedade Intelectual - entidade que reúne sete associações representando produtores de livros, CDs, software, filmes e outros - refere-se várias vezes à possibilidade de o Brasil usar retaliação cruzada contra os EUA no caso do algodão, quebrando patentes ou reduzindo pagamentos de royalties. A IIPA pede que o Brasil seja mantido na Watch List em 2010.
A entidade recomenda ainda que o Brasil "evite legislação ou qualquer outra forma de implementação de retaliação cruzada contra propriedade intelectual de produtos dos EUA como compensação do caso dos subsídios ao algodão na OMC". A IIPA lembra que o Brasil recebe benefícios do Sistema Geral de Preferências (SGP), que exige proteção "adequada e efetiva" para direitos autorais.
Para o diretor de relações internacionais da Fiesp, Mário Marconini, a vinculação entre o painel do algodão e a lista negra da propriedade intelectual é abusiva. "O Brasil está apenas exercendo seu direito de retaliar. Não faz sentido mudar a classificação de propriedade intelectual em um contexto em que o País melhorou", disse.
O diretor executivo do BIC, Diego Bonomo, argumenta que a evolução histórica do País no combate a pirataria e ao contrabando é inegável. Ele afirma que governo brasileiro e setor privado consideram o respeito à propriedade intelectual um incentivo à inovação - uma situação muito diferente da década de 80, quando a quebra de patentes era uma espécie de política industrial.
"Quase 80% dos problemas no Brasil são pirataria importada, ou seja, produtos que vêm da Ásia via Paraguai. Não podemos ser punidos por dificuldades que os EUA enfrentam."
"É uma inversão total de valores. Quem está na berlinda porque não cumpre as regras internacionais são os Estados Unidos", disse o gerente executivo de comércio exterior da CNI, José Frederico Alvares. O Itamaraty não comentou o assunto, porque o Brasil não reconhece oficialmente a lista americana de propriedade intelectual.