Título: Urge a intervenção
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2010, Notas e informações, p. A3
Ao apresentar sua renúncia, redigida há dias, mas colocada em suspenso, o governador em exercício do Distrito Federal, Paulo Octávio, só fez o que dele se esperava, já que envolvido também está com o "mensalão do DEM". Seu gesto pode ser criticado apenas pela demora. As idas e vindas de sua renúncia, certamente motivadas pela ilusória expectativa de obter algum apoio político para a decantada "governabilidade", bem que poderiam ter sido evitadas, poupando a população do Distrito Federal de mais um episódio da novela do escândalo, se atentasse desde o início para a firme disposição de seu próprio partido, o DEM, de afastá-lo de seus quadros, como fizera com o governador licenciado José Roberto Arruda, preso desde o dia 11. Ambos, afinal, estão inextricavelmente emaranhados no escândalo de corrupção trazido à baila pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (PF).
Paulo Octávio acreditou que angariaria apoio se se apresentasse como a única alternativa à intervenção federal, como se fosse a última linha de defesa da autonomia política brasiliense. Claro que a tentativa não funcionou e ele não podia ? como disse ? governar "sangrando em praça pública". E, assim, o Distrito Federal teve dois governadores em menos de 12 dias. Está agora no posto o presidente da Câmara Distrital, Wilson Lima ? também ele um aliado de José Roberto Arruda ?, que, se quiser candidatar-se a um novo mandato legislativo, terá de se desincompatibilizar, deixando o governo em abril. Mas abril pode estar muito longe, pois nada indica que o novo governador brasiliense obterá o apoio político que seus dois antecessores não obtiveram, para sobreviver à crise. Até porque ele é mais um do mesmo bando que fez da vida política do Distrito Federal um malcheiroso caso de polícia.
Diante disso, a única e urgente solução para a crise é a intervenção federal, possibilidade a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal, e que tem como seu mais insistente propugnador o procurador-geral da República.
Tão logo foi lida a carta de renúncia do vice-governador em exercício, o presidente da Câmara Distrital pediu licença do cargo para assumir o governo. E, num esforço para convencer a opinião pública ? e, especialmente, o Supremo ? de que aquela Casa legislativa funciona, apesar do colapso do governo brasiliense, os deputados decidiram abrir processo disciplinar contra os 8 parlamentares citados na Operação Caixa de Pandora, como beneficiários do "propinoduto". O parecer do corregedor Raimundo Ribeiro (PSDB) será pelo prosseguimento do processo.
Desses oito deputados distritais investigados pela PF, pelo menos três devem renunciar antes de ser intimados pelo Comitê de Ética. São eles Leonardo Prudente, Eurides Brito e Júnior Brunelli. A situação deles é considerada mais grave porque, além de citados no inquérito, há vídeos ? exibidos exaustivamente em telejornais por todo o País ? que os mostram recebendo dinheiro vivo. Prudente aparece colocando pacotes de dinheiro nos bolsos do paletó e nas meias; Eurides põe os maços numa grande bolsa feminina; e Brunelli participa da já famosa "oração da propina", em que os três se abraçam comovidos, agradecendo a graça da grana recebida.
A situação que está posta é a seguinte: Wilson Lima ficará no cargo de governador interinamente, porque José Roberto Arruda, apesar de estar preso, ainda é o governador do Distrito Federal. Caso renuncie ou tenha o mandato cassado, aí sim, Wilson poderá permanecer no cargo em caráter definitivo, até a posse do novo governador a ser eleito em outubro. Com sua provável desincompatibilização ? para reeleger-se deputado ? em abril, o próximo na sucessão seria o presidente do Tribunal de Justiça, Níveo Gonçalves, que já declarou não ter interesse algum pelo cargo. Todas as circunstâncias, pois, induzem à intervenção federal, embora não se trate de tarefa fácil a escolha de uma figura pública respeitada, que atraia apoios políticos e se disponha a buscar colaboradores competentes para um governo de poucos meses de duração. Será uma experiência realmente nova no País, pelo menos em tempos de plena Democracia. Mas essa seria uma solução legitimamente fundamentada na Constituição ? além de permitir o arejamento da tóxica atmosfera política de Brasília.