Título: Violência antecede visita de Lula ao Haiti
Autor: Charleaux, João Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2010, Internacional, p. A14

Gangues e manifestações fazem segurança regredir 6 anos na capital

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, desembarca hoje no Haiti com um discurso voltado para a reconstrução do país caribenho que foi devastado pelo terremoto de 12 de janeiro, onde 217 mil pessoas morreram e 1 milhão ainda estão desabrigadas. A terceira visita de Lula ao Haiti desde que ele assumiu o governo, em 2003, deve durar, no máximo, seis horas e coincidirá com o aumento inesperado da violência em Porto Príncipe, o que ameaça fazer com que o país caribenho regrida aos níveis de segurança de seis anos atrás, quando a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) teve início.

Três dias antes da chegada de Lula à capital haitiana, militares brasileiros voltaram a disparar rajadas de fuzil contra membros de gangues no violento bairro de Cité Soleil. No dia seguinte, 300 militares foram enviados às ruas com veículos blindados, situação que não ocorria desde o período de "pacificação", que os próprios militares já consideravam superado.

"Desde que eu cheguei aqui, no dia 4, já prendemos 40 pessoas. Um terço dos capturados já tinha sido condenado, mas fugiu das prisões depois do terremoto", disse ao Estado o general Ajax Porto Pinheiro, que comanda o batalhão brasileiro no Haiti. "O governo haitiano fala em 4.500 fugitivos. É difícil saber ao certo porque a Polícia Nacional Haitiana (PNH) já não tem mais documento nenhum sobre isso. Mas estimamos que 429 destes fugitivos sejam perigosos. E, agora, estamos atrás deles."

MANIFESTAÇÕES

Além da ação renovada das gangues armadas em Cité Soleil, outro problema que desafiará o Brasil na área militar são as manifestações dos sobreviventes do terremoto. Março e abril marcam o período de tempestades tropicais no Caribe. E o descontentamento dos desabrigados com a demora na distribuição de lonas e barracas ameaça fazer com que a Polícia do Exército tenha de reprimir civis haitianos nas ruas da capital.

Desde a tragédia de janeiro, Porto Príncipe já teve três chuvas noturnas. A última foi há duas semanas. No dia seguinte, às 7 horas, uma grande manifestação tomou a principal avenida da capital, que leva ao Aeroporto de Toussant L"Overture.

"Eles fecharam a via e, em pouco tempo, deixaram a cidade intransitável. Tivemos de enviar nossos homens para tentar dialogar com os manifestantes e desobstruir a avenida. A principal reivindicação deles não é comida ou água, mas alojamento. Não tenha dúvida de que a chegada das chuvas vai fazer com que esses protestos cresçam cada vez mais", prevê Ajax.

PACOTE

Lula leva na bagagem o anúncio de R$ 375 milhões em doações, além de projetos ambiciosos na área civil - como a construção de uma hidrelétrica capaz de fornecer energia para 600 mil pessoas, além da criação de frentes de trabalho e até a fundação de escolas técnicas haitianas inspiradas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) -, mas o Planalto teme que a violência ameace o processo de reconstrução, afugentando até mesmo as ONGs internacionais que atuam no país. Na chegada, o presidente brasileiro será recebido por seu colega haitiano, René Préval, e pelo premiê Jean Max Bellerive. Eles sobrevoarão a capital para ver de cima a dimensão dos estragos.