Título: Atuação exemplar do CNJ
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2010, Notas e informações, p. A3

Em mais uma iniciativa moralizadora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou compulsoriamente sete juízes e três desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. No plano administrativo, essa é a pena máxima prevista pela Lei Orgânica da Magistratura para os casos de "quebra de decoro, honra e dignidade" no exercício da função judicante.

Além disso, os dez magistrados serão acionados judicialmente, uma vez que o órgão, encarregado de promover o controle externo do Judiciário, determinou que o processo seja encaminhado imediatamente ao Ministério Público, para a devida abertura de ação criminal. Se forem condenados, eles não apenas serão obrigados a devolver ? com juros e correção monetária ? todo o dinheiro que desviaram do erário, estimado entre R$ 1,4 milhão e R$ 1,7 milhão, como também poderão ter a aposentadoria cassada.

Segundo o CNJ, os três desembargadores e os sete juízes teriam formado uma quadrilha dentro da Justiça mato-grossense. Utilizando suas prerrogativas funcionais, montaram um sofisticado esquema de desvio de recursos para si próprios e para a Loja Maçônica Grande Oriente de Mato Grosso, cujo diretor integra a magistratura estadual. Como a entidade mantinha uma cooperativa de crédito para maçons, que acabou quebrando por inadimplência dos mutuários, os três desembargadores e os sete juízes, confundindo o público com o privado, decidiram cobrir o rombo com recursos do Tribunal de Justiça.

A estratégia consistia em entrar com pedido de reivindicação de "verbas atrasadas", acolher a pretensão, julgando em causa própria, e determinar o depósito imediato ? sem o devido contracheque. "Farinha pouca, meu pirão primeiro", disse o relator, ministro Ives Gandra Filho, ao explicar o esquema montado pelos dez magistrados para tentar assegurar sobrevida à cooperativa e favorecer colegas maçons. Os repasses eram feitos mensalmente e o esquema funcionou entre 2003 e 2005. Segundo o CNJ, há suspeita de que a esposa de um juiz teria recebido R$ 900 mil, a título de indenizações indevidas. Filhos de magistrados também teriam sido favorecidos por depósitos justificados com base em pleitos administrativos já prescritos ou em vantagens funcionais que só são concedidas a juízes federais.

Um dos três desembargadores punidos é o atual presidente da Corte e outro é um de seus antecessores. Dos sete juízes condenados à aposentadoria compulsória pelo CNJ, três teriam sido pressionados pela cúpula do Tribunal para participar do esquema apenas como "laranjas", recebendo dinheiro do Tribunal para repassá-lo à maçonaria. Segundo o ministro Ives Gandra Filho, o mais chocante é que, ao justificar o desvio de recursos públicos, os dez magistrados afirmaram que, independentemente das implicações jurídicas de seus atos, em momento algum teriam ferido a moral. Eles se apresentaram como vítimas de perseguição política, acusaram o CNJ de atingir "de forma irreparável" a Justiça de Mato Grosso e disseram que os créditos em suas respectivas contas tinham sido feitos por "engano". "Se isso não é desvio ético, não sei o que é ético", refutou o relator, depois de apontar as relações de amizade e até familiares entre os membros da quadrilha do Tribunal de Justiça e os diretores da Loja Maçônica Grande Oriente.

Mais chocante ainda é a forma pela qual o CNJ tomou conhecimento do esquema de desvio de dinheiro público. A denúncia foi feita por um ex-corregedor da Corte, que teria agido não por zelo funcional, mas por vingança, porque o presidente da Corte se recusou a nomear sua namorada para um cargo no Tribunal e demitiu uma antiga companheira de outro cargo. Além disso, os auditores do CNJ constataram que, apesar de também ser favorecido pelo esquema, ele teria adulterado documentos com o deliberado objetivo de prejudicar os colegas. O ex-corregedor está sendo investigado pela Corregedoria Nacional de Justiça, podendo ser aposentado compulsoriamente.

É de louvar a atuação do CNJ, que cumpriu ? de forma exemplar ? as funções fiscalizadoras e moralizadoras que lhe foram atribuídas pela Emenda Constitucional nº 45. Se restavam dúvidas quanto à importância do controle externo do Judiciário, elas foram dissipadas pelo CNJ neste caso.