Título: Fed apura ação do Goldman na Grécia
Autor: Schwartz, Nelson D.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2010, Economia, p. B2

BC quer saber como o banco ajudou o país a ocultar as dívidas

O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, está examinando os estratagemas financeiros desenvolvidos por grandes bancos como o Goldman Sachs para ajudar a Grécia a ocultar seu crescente endividamento ao longo da última década.

Ontem, o presidente do Fed, Ben S. Bernanke, disse em depoimento ao Congresso que o Fed estava "analisando uma série de questões relacionadas ao Goldman Sachs e outras empresas e os seus acordos de derivativos com a Grécia".

Bernanke acrescentou que a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) também estava preocupada com a forma com que os derivativos - instrumentos financeiros sobre os quais quase não há regulamentação e que não são negociados nas bolsas públicas - teriam contribuído para o agravamento dos problemas gregos.

"Sem dúvida, a SEC está interessada neste caso", disse ele, respondendo a perguntas do senador democrata Christopher J. Dodd, de Connecticut, que é presidente da Comissão Bancária do Senado. Ele disse que é contraproducente usar "estes instrumentos de uma maneira que desestabilize uma empresa ou um país".

O Goldman não quis comentar as declarações, citando como motivo a política da empresa de não comentar questões legais ou referentes à regulamentação.

No entanto, numa apresentação com data de 21 de fevereiro, o Goldman dizia, "O governo grego afirmou (e nós concordamos) que na época estas transações condiziam com os princípios da Eurostat regendo seu uso e aplicação". Eurostat é a agência de estatísticas da União Europeia.

Em 2000 e 2001, o Goldman ajudou Atenas a solicitar discretamente empréstimos de bilhões de dólares por meio da criação de derivativos que essencialmente transformavam empréstimos em transações cambiais que, de acordo com as regras europeias, não precisavam ser divulgados.

Os instrumentos, chamados de swaps de moeda, ajudaram a Grécia a se manter dentro dos limites de gastos deficitários, o que foi crucial para que o país pudesse entrar na zona do euro, a moeda comum europeia usada agora por 16 países.

Os tratados financeiros entre os países que criaram a zona do euro obrigam os seus s participantes a manter um déficit orçamentário de no máximo 3% do Produtor Interno Bruto (PIB). Os países também não podem ter suas dívidas públicas com valores superiores a 60% do PIB.

LUCRO

O Goldman lucrou US$ 300 milhões com as taxas cobradas sobre estas transações, de acordo com diversos banqueiros familiarizados com os detalhes do negócio. Em 2005, o Goldman vendeu o portfólio de derivativos ao Banco Nacional da Grécia, antes de reorganizá-lo em 2008 sob uma entidade legal britânica chamada Titlos.

De acordo com o Goldman, as transações cambiais de 2000 e 2001 aparentemente reduziram a dívida externa grega em 2,36 bilhões.

Tais acordos - incluindo transações financeiras similares empregadas por outros países europeus com a ajuda de uma série de grandes bancos - causaram grande alvoroço no continente e atraíram críticas ácidas da chanceler alemã, Angela Merkel, e de outros líderes.

Ontem, juntaram-se a este coro o senador Dodd e o senador democrata Jack Reed, de Rhode Island.

"Estou cada vez mais convicto de que estes dispositivos são por vezes empregados para evitar as restrições da regulamentação", disse Reed.

"No caso da Grécia, tudo pode ter transcorrido dentro da legalidade, mas o objetivo claro era evitar as limitações e restrições orçamentárias que condicionavam a participação na Comunidade Europeia." Dodd também criticou as negociações de um outro derivativo, chamado de credit default swap (CDS), cuja principal característica é permitir que bancos e fundos de hedge apostem na possibilidade de uma empresa ou país declarar moratória. Os críticos dizem que os swaps contribuíram para o agravamento dos problemas gregos e aumentaram a probabilidade de um colapso financeiro.

"O preço cada vez mais alto destes contratos contribui para uma atmosfera de crise que, na minha opinião, torna ainda mais difícil que o governo grego solicite empréstimos", disse ele. "Já que não existe regulamento exigindo que os compradores de CDS sejam realmente donos de alguma parte da dívida subjacente, temos uma situação na qual as grandes instituições financeiras estão ampliando uma crise pública para seu lucro particular."

A Grécia enfrenta dificuldades para financiar seu rombo orçamentário, que no ano passado chegou a 12,7% do PIB, o maior de toda a Europa (esse indicador deveria ser de 3% do PIB, de acordo com o Tratado de Maastricht).

Nos próximos três meses, a Grécia precisa arrecadar 25 bilhões para refinanciar dívidas existentes, e os mercados foram abalados pela preocupação com a possibilidade de o país não conseguir os empréstimos de que necessita.