Título: Uma central de projetos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2010, Notas e informações, p. A3

Só agora - no último de seus oito anos de mandato - o governo Lula parece ter descoberto que, sem programas e projetos técnica e financeiramente adequados, sobretudo na área de infraestrutura, as ideias não saem do papel e, quando saem, as obras correm o risco de ser embargadas pelos órgãos de controle e fiscalização. Finalmente, parece disposto a eliminar essa falha administrativa, por meio da criação de uma empresa ou de órgão federal encarregado de elaborar projetos de obras, cuja execução e acompanhamento continuarão sendo de responsabilidade dos Ministérios. Um projeto de lei sobre o assunto deverá ser encaminhado pelo presidente Lula ao Congresso até o fim de abril.

A falta de projetos para a execução competente de obras públicas foi e tem sido um dos grandes obstáculos para o avanço do programa de investimentos federais, inclusive daqueles incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que o governo Lula tenta transformar na grande bandeira da campanha da pré-candidata do PT à Presidência da República, a atual chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Após a conclusão, no segundo semestre de 2009, da fiscalização de um conjunto de obras da área federal, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiram, por unanimidade, recomendar ao governo a paralisação de 41 delas, entre as quais 13 que fazem parte do PAC, por apresentarem irregularidades, entre as quais a falta de projeto executivo.

A resposta do governo a decisões como essa do TCU não tem sido, como deveria ser, a busca da eliminação das irregularidades, para assegurar a retomada das obras, mas ignorar as recomendações. Em janeiro, por exemplo, ao sancionar a lei do Orçamento da União para 2010, o presidente Lula vetou o dispositivo que incluía quatro projetos da Petrobrás na lista dos que, de acordo com a auditoria do TCU, apresentam irregularidades. Desse modo, esses projetos poderão continuar recebendo recursos do Orçamento de 2010.

Segundo o jornal Valor, ainda se discute se o novo órgão de elaboração de projetos será criado no âmbito da administração direta ou da administração indireta, como autarquia, fundação ou empresa estatal, mas, com ele, o governo poderá resolver um dos problemas que têm provocado a interrupção de obras. Outras irregularidades, como sobrepreço, superfaturamento, pagamentos indevidos e licitações irregulares, continuarão sendo objeto da severa fiscalização do TCU. Afinal, "um dos maiores motivos de reclamação do TCU é a qualidade dos projetos", reconheceu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao jornal Valor.

Só depois de constatar a lentidão na execução do PAC e de enfrentar problemas com o TCU o governo Lula, como disse Bernardo, reconheceu que é limitada sua capacidade de elaborar projetos. A maioria dos projetos do PAC, por exemplo, é antiga, alguns com mais de uma década de existência.

Atualmente, os projetos de obras de infraestrutura são de inteira responsabilidade do Ministério ou órgão interessado. Um projeto rodoviário, por exemplo, é preparado e executado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). Mas, observou o ministro, "o Dnit é mais executor do que elaborador de projeto". Se for aprovada a criação do novo órgão, sua tarefa será apenas a de elaborar boa parte dos grandes projetos federais, pois a execução continuará a cargo dos Ministérios.

Ao comentar o assunto após palestra numa entidade da área financeira de Brasília, o ministro explicou que o novo organismo seria semelhante à Empresa de Pesquisa Energética, subordinada ao Ministério de Minas e Energia, que faz o planejamento do setor elétrico e, para isso, não precisa de grandes ativos. "Seus ativos são seus técnicos, engenheiros e geólogos."

O governo espera que, com uma central de projetos, integrada por profissionais competentes e um corpo técnico especializado, seja possível melhorar a qualidade dos projetos e, desse modo, aumentar a capacidade de investimento do setor público e a qualidade da gestão. A demora do governo em admitir suas deficiências gerenciais tornou-as ainda mais agudas. A criação de uma central de projetos melhorará a qualidade da gestão - mas não deste governo, pois não há mais tempo para isso.