Título: Inflação e agricultura, uma ameaça
Autor: Lopes, Mauro de Rezende
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2010, Economia, p. B2

A agricultura brasileira se beneficiou do fim da inflação. Essa "praga" se fazia acompanhar de outras - preços elevados, que erodiam as margens dos produtores pela elevação de custos, e subsídios que entorpeciam a musculatura competitiva dos produtores, que acabavam negligenciando o rigoroso controle de custos.

Controle de custos - com o controle da chamada "peça orçamentária" que nos foi ensinado pelos grandes grupos de investimento no agro brasileiro -, atualmente, é a base do travamento de posições em Chicago e recompensa das gerências dos estabelecimentos da agropecuária.

Quem vivenciou o commodity boom de 1973/1974, com a explosão dos preços agrícolas, aprendeu lições: os preços altos mais a inflação corroeram a vantagem temporária dos produtores nacionais, e os subsídios foram a justificativa para o governo intervir de forma truculenta nos mercados. Como era necessário controlar os gastos públicos e adotar uma política monetária restritiva, para não sancionar a inflação dos preços dos alimentos, essas políticas duras não foram adotadas. Aí se criou, em meados dos anos 70, o famoso "orçamento monetário", que foi uma das maiores fontes de inflação.

Há lições desse período que são aplicáveis hoje: 1) Se não temos uma política fiscal controlada, pisar no freio dos gastos públicos na hora da crise é um sacrifício insuportável que se impõe à população; e 2) quando vivíamos nos anos do "orçamento monetário" a expansão do crédito ateou fogo à inflação. Nessa época não se podia importar (preços altos lá fora).

O panorama atual é de um período de preços internacionais prospectivos de estáveis ou em elevação. Ou "em explosão". Há que considerar a "financeirização" dos mercados agrícolas, com a atuação dos fundos de commodities. No início de 2008, os preços dos produtos agrícolas, por força da especulação dos fundos, de fevereiro a junho de 2008, explodiram. No período, em Chicago, a soja atingiu US$ 15,10; o milho, US$ 6,29; o trigo, US$ 9,12; o açúcar, US$ 13,45; e o café, US$ 150,55. E, o que foi pior, quatro meses depois, em agosto do mesmo ano, os fundos saíram do mercado e os preços começaram a despencar, com a soja em US$ 11,80; o milho em US$ 5,18; o trigo, US$ 7,64; o açúcar, US$ 13,46; e o café, US$ 143. A bolha estourou e ocorreu uma antibolha. Os fundos alteram muito os preços.

Em 2008 e 2009 havia superávits nas contas de transações correntes, superávits primários, reservas internacionais, abastecimento interno, controle das políticas monetária e fiscal, embora na primeira só houvesse o controle dos juros. À época o impacto dos preços externos, então, pôde ser atenuado. Hoje não é essa a situação, daí a ameaça do retorno da inflação.

Vivemos, atualmente, no Brasil um descontrole dos gastos públicos e algo novo: a expansão dos "novos créditos líquidos das autoridades monetárias". O Tesouro se tem endividado para o BNDES emprestar à Petrobrás, a indústrias, frigoríficos (os maiores tomadores de empréstimos do banco), etc. Recentemente, o Tesouro reforçou o caixa do BNDES com vários e sucessivos aportes (um de R$ 100 bilhões). Ressuscitamos a primeira lei de Kafka: quando o Tesouro fecha a torneira do crédito, o Banco do Brasil a abre. Parecia que isso havia acabado.

Além disso, assistimos ao vício de longa data de crowding out: o BNDES retira dos mercados os melhores clientes, dando-lhes créditos em condições concessionais, e o mercado financeiro fica com os outros. Aí os juros sobem.

Hoje, as condições para o retorno da inflação são piores: ano eleitoral; déficits recorrentes e crescentes nas transações correntes, que forçam ajustamento em cima do câmbio (depreciação do real); redução drástica do superávit primário; a economia crescendo acima do PIB potencial; a demanda doméstica cresce mais do que o PIB; e tudo se resume em piora relativa no quadro macro do País, o que prejudicaria o fluxo de capitais com a percepção dos investidores de riscos.

Para a agricultura, o retorno da inflação seria péssimo, pois esse foi um setor que, outrora desprotegido, foi desafiado a competir nos mercados internacionais e saiu-se muito bem. Houve estímulos à competitividade por intermédio da tecnologia. Para todos os efeitos práticos, a agricultura trocou subsídios por investimentos em pesquisa, dando um exemplo de competência ao mundo (muito embora isso não tivesse sido percebido pelos formuladores de política que não teriam todo esse descortino).

Mauro de Rezende Lopes é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV/RJ E-mail: mrlopes@fgv.br