Título: BC tenta conter apostas sobre juros
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2010, Economia, p. B4

Com analistas divididos entre apostas sobre a alta da Selic em março ou abril, BC tenta administrar expectativas

O Banco Central (BC) está se esforçando para que o mercado não leia sinais de política monetária além daqueles contidos em documentos oficiais, como o Relatório de Inflação e as atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).

A tarefa, entretanto, tem sido difícil, dado o excitamento provocado pela divisão entre os analistas sobre o previsto aperto monetário, com duas correntes principais projetando a primeira alta da Selic (taxa básica) em março ou abril e alguns poucos achando que pode ser ainda mais adiante.

Nesse clima exacerbado de apostas, é compreensível o impacto de uma medida da magnitude do recém-anunciado recolhimento de depósitos compulsórios, no total de R$ 71 bilhões, previamente liberados para contornar problemas de liquidez provocados pela crise financeira iniciada no fim de 2008.

Presentes ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, no fim de janeiro, tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto o presidente do BC, Henrique Meirelles, numa performance não tão comum de perfeito entrosamento, deixaram claro que a forte recuperação da economia brasileira já decretara o fim da fase anticíclica e que o momento era de retirar os estímulos tributários, monetários e creditícios. Naquela ocasião, Meirelles mencionou especificamente que havia novas medidas no forno em relação aos compulsórios.

Ainda assim, na esteira da entrevista de Meirelles publicada ontem no jornal Valor Econômico, uma corrente do mercado viu a medida dos compulsórios abrir espaço para que o BC adie o início do aperto monetário. Na entrevista, o presidente do BC mencionou o fato técnico inquestionável de que um recolhimento de compulsório aperta as condições monetárias e financeiras da economia, mas - como é rotina - não deu indicações sobre os efeitos da medida no timing da política monetária.

De fato, com tudo o mais constante, condições financeiras menos apertadas - que existiriam caso não houvesse o recolhimento de compulsório - indicariam um aperto monetário que poderia começar mais cedo, ou ser mais longo, ou atingir um pico maior (ou uma combinação desses efeitos).

A dificuldade desse raciocínio, porém, é que a medida dos compulsórios não é exatamente um fato inesperado - um choque qualquer ou uma safra surpreendente de indicadores - que altere os planos do BC. Como já mencionado, o programa de reversão de estímulos não só já estava sendo aplicado, como fora claramente anunciado.

Assim, embora sempre haja latitude para se mexer com o timing de uma medida dessas, e o monitoramento da liquidez possa recomendar a sua aplicação um pouco antes ou um pouco depois, é muito improvável que ela já não estivesse mapeada no grande plano de ação do BC.

Em outras palavras, prever o início, a extensão e a dimensão do aperto ainda depende de avaliar todos os fatores condicionantes da política monetária, inclusive o recolhimento de compulsórios.

Ontem, na posse do novo diretor de Assuntos Internacionais do BC, Carlos Hamilton Araújo (ver página B1), Meirelles tentou passar ao mercado a mensagem de que o recolhimento de compulsórios ou os fatos políticos do ano eleitoral (entre os quais, diga-se, está a sua própria possível saída do BC) não desviarão o Copom da tarefa técnica de perseguir a meta da inflação.

Boa parte do mercado viu nas declarações algo contundentes uma mensagem cifrada de alta em março, o que provavelmente é um excesso interpretativo da mesma natureza - mas com sinal contrário - do ocorrido após o anúncio do recolhimento dos compulsórios.