Título: País define lista de retaliação aos EUA
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2010, Economia, p. B5

Às vésperas da visita de Hillary, governo escolhe cerca de 130 itens

Às vésperas da visita da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o governo brasileiro negociava os últimos detalhes da lista de retaliação contra os Estados Unidos. A lista deve ser reduzida dos 220 itens colocados em consulta pública para cerca de 130. O objetivo é que os produtos afetados representem US$ 560 milhões em importações dos EUA, conforme autorizado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Foram retirados da lista insumos industriais ou produtos considerados estratégicos, para evitar "dar um tiro no pé". Entre os excluídos, estariam alguns produtos químicos, peças para aviões, equipamentos hospitalares e odontológicos, alguns alimentos, algumas máquinas e várias autopeças.

Após a publicação da lista, haverá um prazo de 30 dias para que as sobretaxas contra os EUA, que podem chegar a 100%, sejam aplicadas. É um período para as empresas se adaptarem, mas também para tentar um acordo com os americanos que impeça a retaliação. Prevista para ser divulgada na segunda-feira, dificilmente a lista deve sair antes da chegada de Hillary na quarta.

Segundo negociadores do setor privado, a divulgação seria interpretada como um sinal de endurecimento da posição brasileira, enquanto postergar a lista demonstra disposição em negociar. "Uma vez divulgada, a lista é uma bomba-relógio, porque entra em vigor em 30 dias", disse um empresário.

O Brasil venceu um painel contra os Estados Unidos na OMC, que condenou os subsídios americanos aos produtores de algodão. Os EUA ignoraram o xerife do comércio mundial e não retiraram os subsídios. A OMC autorizou o Brasil a retaliar, elevando tarifas para produtos equivalentes a US$ 830 milhões. O País conseguiu ainda aprovar uma retaliação cruzada, em propriedade intelectual, se o valor em bens superar US$ 560 milhões.

A retaliação está provocando muita discussão no Brasil, porque vários setores, inclusive os próprios produtores de algodão, são contra. Ontem a movimentação de empresários preocupados com o impacto das medidas era intensa.

O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, reuniu-se à tarde com os presidentes de Fiat (Cledorvino Belini), GM (Jaime Ardila) e Ford (Marcos Oliveira). Ao mesmo tempo, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, conversava com o embaixador americano, Thomas Shannon. Os dois já haviam se encontrado na segunda-feira.

Os empresários estão preocupados com o fornecimento de peças, com o impacto no custo dos insumos e também com as relações Brasil-EUA. Segundo uma fonte das montadoras, o mercado americano deve começar a absorver carro compactos, que poderiam ser exportados pelo Brasil. "Vamos aplicar medidas sem efeito, que podem criar uma clima desfavorável", disse. As montadoras também fizeram uma peregrinação por Brasília esta semana, para evitar que os carros vindos dos EUA fossem incluídos na lista.

Fontes especializadas do setor automotivo contestam o raciocínio e dizem que o perfil de consumo dos americanos não favorece o Brasil. As últimas exportações expressivas de veículos brasileiros para os EUA ocorreram no fim da década de 90. As compras de carros americanos pelo Brasil também são pouco significativas.

Outro setor desfavorável à retaliação é o trigo. Segundo o presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Luiz Martins, os moinhos estão importando trigo dos EUA e do Canadá, porque falta produção na Argentina e a safra do Brasil não atingiu a qualidade necessária. "O trigo americano já é mais caro. Com a sobretaxa, vai subir o preço do pãozinho", disse.

COMPENSAÇÕES

Os empresários tentam um acordo entre os dois países. Promovida pela Fiesp, pelo Conselho Empresarial Brasil - EUA (Cebeu)e pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), a proposta adia a retirada dos subsídios para 2012, quando a Farm Bill (Lei Agrícola americana) será renovada. "O Brasil tem todo o direito de retaliar, mas acredito que um acordo é possível", disse o presidente da seção brasileira do Cebeu, Henrique Rzezinski.

Em troca, os americanos ofereceriam compensações. As principais seriam um fundo de apoio à pesquisa para os produtores de algodão, a promessa da administração Obama de se empenhar pelo fim da tarifa do etanol, um aumento na cota de açúcar do País e acelerar os entendimentos para retirar as barreiras sanitárias contra a carne bovina brasileira.

O governo federal também não está confortável com a retaliação. Ao realizar uma palestra ontem na Amcham, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, afirmou que "não há interesse em retaliar, nem em bens, nem em propriedade intelectual, mas é a única saída jurídica possível".

Fontes do governo dizem que os americanos não apresentaram proposta e a administração Obama nem sequer nomeou os interlocutores da área. Entre os empresários, a impressão é que os EUA estão negociando, mas muito discretamente. O desfecho do caso do algodão, que já dura nove anos, vai depender da proposta que Hillary trará em sua visita.