Título: Ação policial na Cracolândia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2010, Notas e informações, p. A3

A maior operação realizada até hoje pela Polícia Civil na Cracolândia - onde usuários consomem à luz do dia um subproduto da cocaína que cria dependência rapidamente -, da qual resultaram a prisão de 33 pessoas e a apreensão de cerca de 500 pedras de crack, deixou claro para quem ainda tinha dúvidas que, entre os graves problemas ali existentes, está a intensa atuação dos traficantes de drogas na sustentação do vício e na degradação do centro de São Paulo. É, por isso, essencial o trabalho da Polícia na região, para recuperá-la e, sobretudo, para ajudar na recuperação dos dependentes, estimados entre 250 e 300 pessoas, que por ali se instalam todos os dias. Mas o que a operação deixou claro foi a falta de articulação entre os órgãos públicos estaduais e municipais que atuam na região e, sobretudo, a incompreensão de algumas autoridades a respeito do papel de outras.

A eliminação da Cracolândia envolve ações públicas de assistência social, saúde, atendimento ao menor, educação, criação de centros de convivência social e de recreação e outras que possam recuperar a dignidade dos usuários que ali vivem. Mas não pode prescindir de um combate ao tráfico, pela elementar razão de que, se há tantos consumidores de crack na região, seguramente há também quem forneça a droga aos usuários. Os que atuam na área de assistência afirmam que ações policiais prejudicam seu trabalho de atendimento aos viciados.

Há alguns meses, uma operação conjunta destinada a reverter a degradação da região e a recuperar os dependentes que aceitassem o tratamento adequado mobilizou órgãos do governo do Estado e da Prefeitura, além do Ministério Público e do Poder Judiciário. O trabalho envolvia questões de segurança pública e de assistência social, entre outras.

Na ocasião, o delegado seccional do centro - cuja área de atuação inclui a Cracolândia -, Aldo Galiano Junior, afirmou que "esse tipo de usuário da Cracolândia precisa mesmo ser internado". O secretário municipal de Saúde, Januário Montone, reagiu com rispidez a essa declaração. "Delegado não deveria falar sobre internação", disse, justificando que a internação deveria ser feita mediante laudo médico e com autorização do Ministério Público.

A operação policial de quinta-feira foi precedida de investigações durante cerca de duas semanas. Policiais filmaram o comércio da droga, outros fantasiaram-se de mendigos para circular pelas ruas e identificar as pessoas que traficam na região. A operação foi preparada em sigilo para evitar que os traficantes fossem alertados. O resultado foi a prisão de um bom número deles.

Quanto aos usuários, à medida que eram detidos, seguiam sob vigilância policial para a base da Ação Integrada Centro Legal - em operação desde agosto -, como foi estabelecido quando se firmou a parceria entre os órgãos públicos para recuperar a Cracolândia. Assustados com a chegada dos viciados, os agentes municipais que trabalham na base abandonaram o local e se refugiaram sob a cobertura de um ponto de ônibus. "É um risco para a gente. Se recebemos alguém trazido pela polícia, eles podem achar que fomos nós que avisamos", explicou um deles.

Em nota, o secretário de Saúde disse que a operação foi um "espetáculo pirotécnico de confinamento e posterior "libertação" dos usuários" (a maioria dos detidos foi liberada meia hora depois da prisão) e que "ações como essa só dificultam o já dificílimo trabalho diário dos mais de 400 profissionais de saúde, que se dedicam exclusivamente a esse projeto nos 10 distritos da área central".

"Se prender traficante dificulta o trabalho da saúde, não posso cometer o crime de prevaricar, ver o crime e não tomar providência", respondeu o delegado Aldo Galiano Junior. É seu dever, de fato, combater o tráfico e, se não o fizer, será responsabilizado por isso.

A persistência por tanto tempo do consumo do crack ao ar livre por tantos viciados na região central de São Paulo, apesar das diferentes ações das autoridades, mostra a complexidade do problema. Difícil será resolvê-lo se nem as autoridades se entenderem.