Título: Guerrilheiro vivia momentos de extrema aflição
Autor: Recondo, Felipe ; Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2010, Nacional, p. A4

Co-autor de biografia do ex-capitão, ele afirma que Lamarca queria mais ações contra o governo militar no Brasil

Entrevista Emiliano José: jornalista, escritor e deputado

Jornalista e escritor, o deputado federal Emiliano José (PT-BA) é autor, juntamente com Oldack Miranda, de Lamarca, o capitão da guerrilha, principal biografia já escrita no Brasil sobre a vida do líder guerrilheiro.

Contemporâneo de Lamarca, Emiliano, como integrante da Ação Popular (AP), foi preso e torturado pelo aparelho de repressão do governo militar. Ao ler as cartas escritas por Lamarca, encontradas nos arquivos da Aeronáutica, o deputado afirma que elas refletem o momento de "extrema aflição" que o ex-capitão enfrentava na época.

"Lamarca queria mais ações militares contra a ditadura, enquanto era obrigado a ficar trancado a maior parte do tempo em aparelhos por conta da alta vigilância do governo", diz.

O senhor conhecia essas cartas que estão nos arquivos da Aeronáutica?

Não conhecia. Talvez elas tenham sido interceptadas até antes de terem sido enviadas. O aparecimento de novos arquivos militares é muito importante.

Nas cartas, Lamarca reclama que outros grupos de esquerda queriam dar uma espécie de "parada" nas atividades militares para se reorganizar. Que momento era esse pelo qual estava passando?

Ele estava passando por um momento de extrema aflição. Não aguentava essa vida em aparelhos e estava bastante angustiado com a situação. Até porque estamos falando de um militar. Ele tinha rasgado a farda para assumir sua posição de marxista, mas era uma pessoa com formação militar. Era um capitão. E um capitão quer ação.

Em determinado trecho, ele pede que seus companheiros produzam uma contra informação, dizendo que ele está no Rio Grande do Sul, em vez de no Rio de Janeiro. Ele precisava de mobilidade. Isso já refletia essa ansiedade por voltar à ação?

Sem dúvida. Ele tinha o espírito militar. Queria atividade. Por isso ele cobra tanto dos outros grupos. E o combate? Como vamos fazer? E nas cartas ele reclama que sua organização estava sendo criticada por ser militarizada demais. Ora, com exceção do PCB, que priorizava a ação política, todos os grupos eram militarizados, tinham a cabeça foquista. Se essa estratégia foi errada ou não, ninguém tinha como saber na época. É o que foi feito.

Menos de um ano depois de escrever essas cartas, Lamarca acabou sendo morto pelas tropas do governo no interior da Bahia. O sr. acha que ele poderia ter tentado deixar o País para se preservar, já que o cerco tinha se intensificado?

Tanto Lamarca como (Carlos) Marighella preferiram ficar no Brasil, levando à frente a luta armada. Foi uma opção deles, talvez para dar o exemplo aos companheiros. Na época em que escreveu essas cartas, ele vivia o dilema do cerco profundo que estava sendo imposto pelo governo militar à esquerda. A esquerda estava sob cerco tático do governo nas cidades. Quando saiu para Brotas de Macaúbas, onde acabou morrendo, foi uma espécie de fuga para a frente. Fico orgulhoso com o fato que a cidade tornou feriado municipal o dia de sua morte, como forma de homenagear sua memória.

O que o sr. acha de a Aeronáutica ter mantido fechados por tanto tempo esses arquivos?

As Forças Armadas deveriam abrir tudo o que têm guardado. Até como forma de dizer que não têm nada a ver com a repressão que foi feita naquele tempo. Os tempos mudaram. Comprovei isso acompanhando o excelente trabalho feito pelas tropas brasileiras no Haiti.