Título: Chilenos não conseguem retornar
Autor: Thomé, Débora
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2010, Internacional, p. A13

Grupo de turistas que passava férias no Rio aguarda reabertura de aeroporto em meio à espera de notícias de familiares

PROCURA - Busca de pertences em meio a escombros em Pelluhue

Turistas ficam sem dinheiro

Eram 9 horas - quase madrugada para um grupo de estudantes em férias - quando o telefone tocou para avisar que um forte terremoto havia atingido o Chile. Moradores de Santiago, os jovens Julio e Jorge Sepúlveda, Gabriel Leiva, Cynthia Büch, Natalia Delgado e Rossana Cominetti tinham vindo para o Brasil para passar o carnaval na casa de um amigo, no Rio de Janeiro. Os três primeiros tinham passagem de volta marcada para o sábado. Duas das moças voltariam para casa hoje. Desde o momento em que receberam a chamada até o fim da manhã, todos tentaram, em vão, falar com suas famílias. Só foram conseguir algum contato cerca de três horas depois, ligando para telefones fixos - pois nem internet e nem celulares estavam funcionando. Seus familiares e amigos estão todos bem, mas relatam casos de falta de água e luz em vários pontos da cidade. Também informaram que o centro histórico de Santiago foi bastante danificado pelos tremores. Alguns deles, que moram em apartamentos em andares mais altos, decidiram que era melhor se mudar para áreas mais seguras. Gabriel comenta que vários parentes estão abrigados na casa de seus pais. Todos os estudantes têm menos de 25 anos, o que significa que também não presenciaram o outro grande terremoto que abalou o país, em 1985. "Mas já estamos acostumados com os tremores", diz Natalia. "O que nos disseram é que tiveram a impressão de que este terremoto era mais forte que o de 1985 e também que ele durou mais." A moça conta que tinha apenas cinco meses de vida na época da outra catástrofe. Enquanto esperam para ir para casa, os estudantes terão de enfrentar outro problema: eles ficaram sem dinheiro. Já no fim da viagem, não esperavam que teriam mais dias de gastos. Assim, estão contando com a boa vontade dos amigos que os hospedaram e com algum dinheiro que pediram emprestado. Por ora, o grupo que embarcaria no sábado conseguiu vaga no voo apenas de quinta-feira. Gabriel, que é advogado, voltaria a trabalhar hoje, mas vai ter que adiar o seu retorno ao escritório. A ele e aos seus outros cinco amigos, restará conter o nervosismo e aproveitar um pouco mais as férias no Rio, até que a situação dos voos no aeroporto de Santiago se normalize.

Jornalista estava no 10º andar

Pelas ruas de Santiago, o que se vê são sinais de tristeza, tensão e insegurança. É o que conta a jornalista da Agência Estado Cristina Falasco, que passa férias no Chile e tinha retorno ao Brasil programado para hoje. Ela estava hospedada em um hotel de Providência, no 10º andar do prédio, quando os tremores começaram. No momento em que despertou, tudo já balançava. "Logo que tentei me levantar, acabei caindo no chão. Acendi a luz, mas ela durou poucos segundos", conta ela. Em meio aos tremores, a jornalista se agarrou a um batente próximo à porta do banheiro. "A televisão caiu, todos os móveis saíram do lugar - mesa, sofá, poltrona. Tudo no banheiro também foi ao chão, que ficou todo molhado", diz. O barulho, relata ela, era assustador. "A sensação é a de um trem andando rápido e muito barulhento." À medida que o tremor foi diminuindo, ela conseguiu descer pelas escadas e chegar até a rua. "O hotel é simples, antigo, mas deve ter sido construído pelo melhor engenheiro de Santiago. Ficou intacto", diz. Durante o sábado, os hóspedes permaneceram nas imediações do hotel. "Havia poucas pessoas nas ruas e todos tinham rostos abatidos, preocupados, tristes." O que se via era muitas pedras, pedaços de reboco e vidros de janelas que se romperam com o tremor. Assim como ela, muitos turistas estão preocupados com a volta para os seus países - e com as condições de permanência na cidade. Apesar da reabertura parcial do Aeroporto Internacional de Santiago, algumas companhias aéreas estão programando voos para o Brasil apenas para o dia 5. Segundo Cristian, poucos estabelecimentos comerciais abriram no fim de semana. E um número restrito de restaurantes atendia aos turistas que circulavam pela cidade. Nos caixas eletrônicos, não havia filas. Mas o movimento era grande nos supermercados e telefones que fazem ligações internacionais. Algumas estações do metrô reabriram e seus funcionários se esforçavam para orientar sobre as linhas fechadas e os itinerários a seguir. "Santiago é uma bela cidade", diz Cristina. "Certamente vai superar esta tragédia." AGÊNCIA ESTADO

Brasileiros chegam em voo especial

Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) chegou a Brasília às 5h15 de ontem, depois de decolar de uma base militar de Santiago com 12 brasileiros - 3 militares e 9 civis - que estavam no Chile. A aeronave VC-99C Legacy partiu na tarde de sábado da Base Aérea de Brasília, com destino a Santiago, transportando o ministro da Justiça do Chile, Jorge Rui Toledo, e o procurador-geral da República, Chahuán Sabas, que estavam na capital brasileira para compromissos oficiais quando ocorreu o terremoto. Após o episódio, o governo do Chile solicitou apoio do Brasil para transportar as autoridades de volta ao país. Em seguida, o mesmo avião retornou ao Brasil com os 12 brasileiros. O coronel da FAB Luiz Fernando de Aguiar, um dos passageiros, estava no 5º andar de um hotel em Santiago no momento do tremor. Era o seu último dia na cidade, após viver dois anos no Chile. "O quarto ficou com as paredes rachadas e os vidros quebrados", disse. Depois do terremoto, ele seguiu até o aeroporto de Santiago para tentar obter informações sobre os voos, já que os serviços de telecomunicações foram interrompidos. No trajeto, viu que os bairros mais pobres, com prédios mais antigos, haviam "sofrido muito". A estudante brasileira Rafaela Link, que morava há dois meses em Santiago, também retornou no voo. Ela estava em um bar com amigos no momento do terremoto. "As paredes começaram a tremer e as garrafas e copos foram caindo", disse. "Até que ouvimos um estrondo e vimos que a cúpula da igreja ao lado do bar tinha caído. Foi pânico total, uma sensação horrível", contou a estudante. O coronel Celestino Todesco, adido da Aeronáutica no Chile, estava no nono andar de um prédio de 12 pavimentos quando o sismo começou. "A sensação era como se estivéssemos sendo colocados em um liquidificador. Balançava tanto dos lados como de baixo para cima'', disse. Segundo ele, o tremor teve duração de um minuto, aproximadamente, mas para ele "parecia uma eternidade".

Grupo em congresso pede ajuda

A editora de livros infantis Tania Rosing enviou ontem uma mensagem aos amigos que estão no Brasil pedindo ajuda às autoridades para que possa voltar ao País. Ela está em Santiago com o marido e um grupo de 45 brasileiros - todos participantes do Congresso Ibero-americano de Língua e Literatura Infantil e Juvenil, que estava ocorrendo na cidade. Segundo ela, o secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura, José Castilho, que faz parte do grupo, chegou a procurar a embaixada brasileira em Santiago, mas foi "menosprezado". "As condições do aeroporto são péssimas. Precisamos sair daqui e, para tanto, precisamos de ajuda", diz ela. "Estamos calmos, aguardando o que se pode fazer." Tania dormia no hotel onde o grupo está hospedado quando o terremoto ocorreu. "Fomos todos pegos de surpresa, dormindo. Caiam azulejos, quadros, garrafas, a televisão, os abajures", diz. Ela e o marido conseguiram, porém, se vestir e descer pelas escadas. Ao chegar à porta do hotel, se depararam com uma "situação tragicômica". "Eram pessoas descalças, de pijamas, de camisolas, enroladas em lençóis." Segundo ela, as replicas do tremor não causaram problemas. "Felizmente, foram pouco intensas. Mas todos os serviços da cidade estão parados."