Título: Ministra admite socorro à Grécia
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2010, Economia, p. B13

Christine Lagarde é primeira grande autoridade da zona do euro a reconhecer publicamente que há chance de ajuda

As finanças públicas da Grécia não estariam abandonadas a própria crise e à ameaça de falência, como o mercado financeiro imagina. Depois de sucessivos desmentidos do governo da Alemanha e da Comissão Europeia, a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, reconheceu ontem que os 27 países do bloco têm não apenas um, mas vários planos de socorro elaborados para enfrentar a ameaça de moratória. E eles envolvem também a iniciativa privada.

A revelação foi feita em entrevista concedida à rádio Europa 1 e ao jornal Le Parisien. Segundo a executiva francesa, o plano de refinanciamento estudado pelo governo grego, que prevê emissão de títulos no mercado e a capitalização de até ? 20 bilhões, recurso que seria utilizado para amortizar o déficit fiscal de 12,7%, conta com o apoio de Bruxelas.

Três pistas são analisadas: captação no sistema financeiro, envolvendo apenas bancos privados; o empréstimo de países parceiros do bloco; ou o uso combinado das duas, em uma alternativa público-privada.

"Não duvido que a Grécia consiga se refinanciar por meios que nós exploramos atualmente, sobre os quais temos um certo número de alternativas, no interior da zona euro, ou implicando parceiros privados, ou parceiros públicos, ou os dois ao mesmo tempo", confidenciou a ministra.

Evitando fornecer detalhes, Christine Lagarde voltou a se enquadrar na política de low profile mantida até então pelas autoridades europeias. "Me permita não ir além dessa informação porque me parece legítimo que transações desse tipo fiquem reservadas à confidencialidade."

Há uma semana, a revista alemã Der Spiegel publicou uma reportagem anunciando que o governo de Angela Merkel, em parceria com os demais chefes de Estado e de governo dos 16 países da zona do euro, haviam chegado a um plano de financiamento avaliado entre ? 20 bilhões e ? 30 bilhões. O empréstimo se somaria aos cortes de gastos públicos, que visam a reduzir em 4% o déficit em 2010.

A revelação sobre o suporte financeiro, porém, foi desmentida por Berlim, cujo governo está sob pressão da opinião pública, avessa à ideia de que o contribuinte alemão pague pela crise grega. Na segunda-feira, Bruxelas também descartou o suposto socorro. "O projeto não existe porque a Grécia nunca solicitou nenhum euro de ajuda financeira", afirmou o porta-voz da Comissão Europeia, Amadeu Altafaj.

Apesar dos desmentidos, analistas econômicos jamais descartaram a hipótese de um socorro comunitário à Grécia, até porque o contágio da crise, em caso de moratória, seria inevitável. Relatório do Bafin, o órgão regular do sistema financeiro alemão, indicou há 10 dias que o nível de exposição dos bancos do país aos títulos de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (chamados pejorativamente de Piigs) era avaliado em ? 522 bilhões. Em menor proporção, outros vizinhos sofreriam contágio.

Na Grécia, parte da opinião pública atribui a crise do país à União Europeia, que seria co-responsável por ter sido relapsa na fiscalização das contas do Estado. Esse segmento da população exige de Bruxelas o socorro financeiro.

DIVERGÊNCIA

Economistas entrevistados pelo Estado em Atenas dividem-se sobre a eventual responsabilidade da União Europeia na crise. Para o economista-chefe do EFG Eurobank Ergasias, Gikas Hardouvelis, o déficit fiscal grego tem origem em sucessivas más administrações, e não no monitoramente superficial que a Comissão Europeia efetua sobre as contas públicas nacionais.

"Mais de 99% se explicam por erros da Grécia. As razões da crise estão no desequilíbrio da economia grega, no setor público ineficiente, que arrecada menos do que gasta e gera legislações que distorcem a competitividade."

Savas Rombolis, economista e diretor científico do Instituto do Trabalho de Atenas, ligado à Confederação Geral dos Trabalhadores Gregos (GSEE) - maior sindicato do país -, entende que a culpa deve ser partilhada. "A Europa é em parte responsável pela crise porque Bruxelas sempre aplicou uma política econômica neoliberal", argumenta, lembrando a inexistência de uma "Caixa Europeia", uma versão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para auxiliar os países do bloco.