Título: Calouro de Medicina é agredido em trote
Autor: Lordelo, Carlos ; Mandelli, Mariana
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2010, Vida&, p. A18

Alunos foram vítimas de tapas e cuspe; instituição abre sindicância

PUNIÇÃO - Universidade de Mogi das Cruzes promete divulgar resultado de sindicância em 30 dias

Calouros da 37ª turma de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) foram agredidos durante um trote ocorrido no início da semana passada em um sítio, a 17 quilômetros do câmpus. Eles levaram tapas e cuspidas no rosto e foram obrigados a colocar um fígado podre de boi na cabeça, entre outras agressões. As imagens foram exibidas anteontem no Fantástico, da Rede Globo.

A reportagem mostra cenas de humilhação física e moral na festa que reuniu cerca de 400 pessoas. Depoimentos de alunos que estavam no evento afirmam que os calouros foram obrigados a entrar em uma cabana com comida estragada, beijar um fígado podre de boi e ajoelhar e beijar os pés dos veteranos - tudo sob ameaça de agressão física.

Segundo testemunhas, latinhas de cerveja, ovos, farinha e ketchup foram arremessados nos alunos. Outro depoimento relata que veteranos usaram peixes para bater nos calouros. Caipirinha de limão foi jogada no rosto de um calouro. Segundo a reportagem do Fantástico, os pais de pelo menos 40 ingressantes procuraram a UMC para discutir o ocorrido e uma caloura desistiu do curso.

Ontem, a reportagem do Estado esteve no câmpus da UMC onde é oferecido o curso de Medicina. Diversos estudantes foram abordados, mas todos demonstravam temor em dar declarações. Segundo um jovem que estava presente no trote, esse tipo de agressão é recorrente. "É normal, sempre acontece esse tipo de coisa mesmo", afirma. Ele, que se formou no ano passado, garante que não passou por nenhum tipo de violência quando foi calouro.

"Eu não participei neste ano e não fui em todos os dias quando era calouro porque não concordo com esse tipo de humilhação", afirma um estudante de Medicina. Por não ter participado, muitos veteranos passaram a ignorá-lo.

Universitários de outros cursos afirmam que esse tipo de trote ocorre com maior frequência no curso de Medicina da UMC.

No centro acadêmico, nenhum aluno foi encontrado para dar entrevista. Segundo uma funcionária, os estudantes não compareceram porque sabiam que a imprensa apareceria.

Após reunião entre a reitoria e as pró-reitorias ontem, a UMC divulgou uma nota oficial à imprensa, assinada pela reitora Regina Coeli Bezerra de Melo. O texto afirma que a direção instaurou uma comissão de sindicância disciplinar para "apurar as responsabilidades de todos os estudantes envolvidos".

Os resultados devem ser divulgados em 30 dias. A instituição vai convocar para prestar depoimento calouros, veteranos e integrantes do centro acadêmico e da associação atlética. A UMC sublinhou que todos terão "direito a defesa".

Segundo a Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes, os calouros não registraram boletim de ocorrência, mas um delegado já verifica se houve crime.

HISTÓRICO

23/02/2010 - Sete calouros do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (Unifeb), em Jaborandi, região de Ribeirão Preto, sofreram queimaduras causadas provavelmente por creolina. A polícia identificou dois suspeitos

02/02/2010 - Em Fernandópolis (553 km de São Paulo), três calouros da Universidade Castelo Branco foram agredidos e obrigados a tomar álcool combustível. A polícia indiciou oito suspeitos

Fevereiro de 2009 - Quatro calouros sofreram queimaduras causadas por creolina na Fundação Municipal de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul (Funec), no interior de São Paulo. Uma aluna foi expulsa da faculdade

Fevereiro de 2009 - Em Taubaté (SP), 53 calouros de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau) denunciaram abusos no trote. Nove veteranos receberam suspensão de 60 dias

Fevereiro de 2009 - No Centro Universitário Anhanguera Educacional de Leme, também no interior de São Paulo, um calouro do curso de Medicina Veterinária foi ferido com um chicote e obrigado a se jogar em uma lona com excrementos de animais em decomposição. Ele foi agredido e acabou internado na Santa Casa por ingestão de bebida alcoólica. Dois veteranos foram expulsos e sete, suspensos