Título: Fidel teria cobrado ações em SP e no Rio
Autor: Moraes, Marcelo de ; Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2010, Nacional, p. A8

No Chile, ele se encontrou com exilados para discutir resistência

Em encontro no Chile com representantes de grupos clandestinos brasileiros, o líder cubano Fidel Castro teria cobrado a realização de operações de sabotagens no Rio de Janeiro e em São Paulo como forma de desestabilização do governo militar (1964-1985). Em novembro de 1971, Fidel esteve no Chile, presidido na época por Salvador Allende, e acabou se encontrando com exilados brasileiros para discutir a situação do governo brasileiro e a estratégia de resistência.

Com um governo de esquerda, o país tinha se tornado o principal refúgio para os exilados brasileiros, enquanto Allende se manteve no poder - seria deposto no fim de 1973. Por conta disso, os serviços de inteligência brasileiro mantinham monitoramento constante sobre os passos dos exilados. Não demoraram a descobrir que Fidel se encontraria com um grupo deles quando estivesse no Chile.

Segundo o Informe 0027 feito pelo Exército, em 29 de fevereiro de 1972 (era um ano bissexto), Fidel "teria perguntado por que no Brasil as organizações ainda não desfecharam ataques no setor econômico, que seria considerado fundamental do governo brasileiro, através de sabotagens, trabalho que, com gente especializada e poucos quadros, poderia ser feito com eficiência e sem risco de combatentes".

O informe relata que, segundo Fidel teria dito, "uma sabotagem em grande escala na faixa industrial São Paulo-Rio de Janeiro, sustentação econômica do governo, abalaria seus alicerces". O documento mostra que a proposta não foi bem recebida pelos brasileiros presentes ao encontro. Foi explicado ao líder cubano que seria necessária a realização de um trabalho prévio a esse tipo de ação para preparar a população e evitar que a imagem dos combatentes do governo ficasse desgastada por causa dessas sabotagens.

CAMPO

Na conversa, quis saber como estava o desenvolvimento das ações desses grupos e teria "reafirmado ser partidário da luta no campo". Ouviu dos brasileiros que ainda não existiam condições disponíveis para uma operação desse tipo.

Na prática, os integrantes dos grupos de esquerda estavam sob forte cerco e pressão nas cidades e não conseguiam sequer se deslocar para o interior. Carlos Lamarca tentou um movimento desse tipo e acabou sendo preso e morto pelos militares em setembro de 1971, no interior da Bahia.

O arquivo secreto não informa que Lamarca já estava morto, mas dá a entender que Fidel sabia disso porque cita perguntas feitas pelo cubano sobre o ex-capitão. Segundo o documento, Fidel quis saber por que Lamarca deixara a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) - ele passou a fazer parte do MR-8. Perguntou também por que o ex-capitão não foi para Cuba, em vez de permanecer no Brasil, uma vez que tinha sido "chamado com insistência".