Título: UE volta a descartar ajuda à Grécia
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2010, Economia, p. B10

Divergência no bloco foi demonstrada em declarações da ministra da Economia da França, Christine Lagarde

CLIMA QUENTE - Manifestantes queimam bandeira da UE em Atenas, durante protesto contra cortes de gastos impostos ao governo grego

A União Europeia voltou atrás mais um vez ontem e agora descarta usar dinheiro público dos países-membros da zona do euro para socorrer a Grécia, refinanciando sua dívida, que atinge 113% do Produto Interno Bruto (PIB). A nova demonstração das divergências no bloco veio ontem, em Londres, quando a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, cedeu às pressões da Alemanha e afirmou que Atenas não necessita de verbas internacionais para evitar a bancarrota. A controvérsia, porém, não abalou o recente otimismo do mercado sobre o país, cujo abandono da zona do euro foi descartado pelo Banco Central Europeu (BCE).

A declaração de Lagarde contradiz a posição da própria ministra, que no domingo havia revelado que a UE estudava diferentes alternativas de socorro. Ontem, em entrevista à emissora de TV Sky News, de Londres, Lagarde elogiou o plano de corte de gastos públicos e de aumento de impostos anunciado pelo governo grego, resultando em uma economia de ? 4,8 bilhões - ou 4% do Produto Interno Bruto, de um total de 12,7%. "Eu quero homenagear a lucidez e o realismo do governo grego e o caráter tangível das medidas implantadas."

A seguir, porém, a ministra francesa frustrou as expectativas do primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, que espera a "solidariedade" financeira da UE. "Nós trabalhamos em soluções, mas não precisamos implementá-las. Não está na agenda do dia", afirmou, quando questionada sobre a possibilidade de França e Alemanha liderarem uma linha de empréstimo com juros subsidiados à Grécia. "Não há necessidade de algo desse tipo neste momento. Se houver necessidade, então haverá uma solução."

A mudança de discurso da França põe o país em sintonia com a posição da Alemanha, cuja chanceler, Angela Merkel, descartou em sucessivas entrevistas a hipótese de conceder empréstimos ao vizinho.

Atenas precisa de ? 20 bilhões a ? 30 bilhões para honrar dívidas, dinheiro que pode ser obtido de parceiros da zona do euro por juros subsidiados, de bancos privados, com juros de mercado, ou ainda do Fundo Monetário Internacional (FMI), hipótese cogitada por Papandreou, mas recusada pela União Europeia.

Ontem, os investidores deram uma boa amostra da mudança da percepção do mercado financeiro sobre o país. A Grécia lançou uma operação de emissão de obrigações a dez anos com o objetivo de captar ? 5 bilhões no mercado, e a demanda superou as expectativas, segundo o banco britânico HSBC Holdings, um dos que comandam a operação. Em parte graças à taxa de juros atraente, de 6,38%, a demanda superou os ? 16 bilhões.

Investidores da Grécia foram a maioria (23% do total), seguidos pelos do Reino Unido (20%), da Alemanha (14%) e da França (7,5%). Fundos de investimento, bancos e companhias de seguro foram, pela ordem, os mais interessados.

A reação positiva do mercado também foi estimulada pelas declarações do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, que classificou como "hipótese absurda" a possibilidade de que a Grécia abandone a zona do euro por causa de sua crise e do risco de moratória.

IMPACTO

Ontem, como previsto, o Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu (BCE) mantiveram suas taxas de juros em níveis baixos - respectivamente 1% e 0,5% -, provocando a queda do euro e da libra e a alta generalizada do dólar ante as moedas europeias.

Segundo analistas, os temores em relação à Grécia e a outros membros da zona do euro com elevados níveis de dívida pesaram também sobre as moedas.

Os números de crescimento econômico para a região também provocaram a queda das bolsas em todo o mundo. Dados liberados ontem confirmaram que o PIB das 16 nações da zona do euro cresceu apenas 0,1% no último trimestre de 2009.