Título: Tão estraçalhados quanto as vidraças dos edifícios
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2010, Internacional, p. A14

Em Santiago, as pessoas se sentem afortunados e ao mesmo tempo culpadas por terem sido atingidas por um terremoto de 8 graus em vez de 8,8, como em Maule e Biobío, ao sul. Mas muita gente tem sempre por perto um copo d"água, uma espécie de sismógrafo improvisado, para ver se os tremores sentidos são reais ou imaginários.

Estamos tão estraçalhados quanto as vidraças e espelhos que despencaram quando uma falha geológica a cerca de 480 quilômetros se abriu numa madrugada de verão.

As pessoas estão abaladas, atordoadas, e a ansiedade, a tristeza, a animação e os boatos se misturam e prevalece uma tremenda necessidade de se comunicar umas com as outras, sentir que o terremoto já passou. Mas não. Nem todo o país está deprimido. Amigos se reuniram nos prédios rachados, sem energia elétrica, para o almoço de domingo, tomando um vinho Chardonnay e contando histórias do front. Muitas pessoas faziam fila numa barraca de cachorro-quente, lendo as edições esgotadas dos jornais locais.

Eu tinha viagem marcada para Nashville na noite de domingo, mas continuo aqui, preso às notícias que chegam a cada minuto. Num local próximo de onde eu fui trocar minha passagem de avião, funcionários de escritórios que não existem mais tomavam seu café e contavam piadas.

A vista do nosso principal aeroporto "fechado até segunda ordem" aumenta ainda mais sensação de isolamento depois desta tragédia.

Por duas décadas, desde que nos tornamos "modernos" nesta terra distante, sentimos que fazíamos parte do mundo. Agora, especialmente nas áreas arrasadas por um tsunami, como Constitución, todos os nossos supostos avanços estão comprometidos.

O terremoto atingiu o Chile em meio a uma transição presidencial e exatamente no início da celebração do nosso bicentenário. O fato de o país inteiro não desmoronar é a comprovação da nossa infraestrutura e nossas instituições sociais. Mas todos nós estamos prostrados.

E agora, ao vivo na TVHD, ouvimos coisas que evocam os dias sombrios do general Augusto Pinochet, palavras como "desaparecidos", "toque de recolher", "estado de emergência".

Os rumores vão e vêm. Os telefones estão mudos; o que é verdade no momento. A água encanada vai faltar durante um dia; quem sabe? Os supermercados estão repletos, as prateleiras vazias. Você se preocupa que ninguém está cuidando do problema ou, caso esteja, a situação é muito grave para ser resolvida sem o uso da força.

O tremor real por trás dos abalos é a ameaça de uma insurreição social, especialmente em Concepción e Talcahuano, onde os barcos se espalham pelas ruas.

Estamos num estado de suspensão. As pessoas estão cansadas e esgotadas, sentindo que não conseguirão sobreviver umas sem as outras.

Da sua janela, um amigo disse que via a torre da igreja despencar. A sensação que temos é de termos enfrentado, no escuro mais extremo, o "Big One" (termo usado para definir um terremoto devastador).

O que ficará na memória, muitas pessoas dizem, não é o terremoto em si, mas a ansiedade que surgiu imediatamente, após, quando seus celulares ficaram desligados e não puderam se comunicar com os entes queridos. Por duas ou três horas, na manhã de sábado, todos os chilenos estavam verdadeiramente sós. E nos sentimos como se estivéssemos no fim do mundo. O que, de certa maneira, é verdade.

*Alberto Fuguet é autor dos romances Os filmes da minha vida e Missing, uma investigação