Título: Chile decreta toque de recolher de 18 horas para tentar conter saques
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2010, Internacional, p. A14

Bachelet envia 14 mil militares às áreas afetadas pelo tremor; moradores se organizam e erguem barricadas

Mais de 14 mil militares tomaram ontem o controle das cidades mais afetadas pelo terremoto de 8,8 graus que abalou o sul do Chile na madrugada de sábado, para conter a onda de saques. Mas a prefeita de Concepción, Jacqueline van Ryselbergher, disse que a situação se acalmou graças à organização dos moradores, que montaram barricadas e se armaram para conter os saques. Ontem, o governo elevou a 796 o número de mortos no tremor.

As autoridades ampliaram em mais duas horas o toque de recolher, que ontem passou a vigorar a partir das 18 horas até o meio-dia de hoje. A presidente Michelle Bachelet advertiu que se aplicará "o máximo rigor da lei" aos que cometerem delitos. O Exército tem ordens de atirar para matar em quem não respeitar o toque de recolher. Durante a noite de segunda-feira, pelo menos 60 pessoas foram detidas em tentativas de saques.

Em diversos bairros residenciais de Concepción, a noite de segunda-feira e a madrugada de ontem foram de vigília, já que os moradores temiam as gangues que ameaçavam saquear casas. Esse era o caso do bairro Lonque, de classe média alta, onde homens e mulheres com armas de caça e tacos de beisebol passaram a fria noite atrás de barricadas erguidas para impedir a passagem de saqueadores.

"Temos medo dos moradores das favelas próximas, que já saquearam algumas casas do bairro vizinho, mercearias, lojas de ferramentas e até as academias de ginástica. Aparelhos de musculação não são produto de primeira necessidade. Isso é selvageria pura", declarou ao Estado o empresário Wagner Mohrs, na barricada da esquina da Rua Schawb com a Avenida O"Higgins.

Alberto Quintana, um jovem estudante de direito, armado com um taco de hóquei, acrescentou: "Eles (os favelados) assaltaram lojas de bebidas e estão alcoolizados, fazendo todo tipo de vandalismo. É uma vergonha para o Chile. Bachelet deveria ter mobilizado as tropas no primeiro dia. Mas não o fez e agora isso é uma desgraça."

No bairro vizinho, o 12 de Outubro, de classe média, os moradores também haviam erguido barricadas para defender suas ruas. "Nos primeiros dias, todo tipo de pessoas saqueou os comércios. Até conhecidos meus de classe média. Um horror. Mas agora são gangues que se aproveitam do caos para invadir as casas", afirmou o empresário Patricio Muñoz. "Estamos em alerta, pois os bombeiros avisaram que um turba vinha nesta direção." Os três filhos dele, de 9, 18 e 20 anos, estavam armados.

VANDALISMO

A poucos quarteirões dali um mercado ostentava dois cartazes explicando seu status operacional. Um exibia os categóricos dizeres "não temos nada". O outro cartaz, ao lado, explicava "já fomos saqueados".

"Não entendo o que está acontecendo. Nós, chilenos, não nos comportamos dessa forma... éramos sempre solidários, nunca fomos vândalos", disse a prefeita de Concepción.

Milhares de pessoas passaram a noite da segunda para a terça-feira ao relento, dormindo nos quintais, pátios ou jardins de suas casas e edifícios. Eles acenderam fogueiras para se aquecer e para mostrar aos saqueadores que as casas não estavam desguarnecidas.

Os militares que patrulhavam as ruas na noite de ontem para observar o toque de recolher abriam exceções para as pessoas que dormiam nas ruas. Diversos grupos colocaram bandeiras brancas ao lado de suas barracas nas praças.

Os soldados também começaram ontem a distribuir alimentos e gêneros de primeira necessidade aos cerca de 2 milhões de afetados pelo terremoto. Mas as pessoas reclamavam da demora no envio de ajuda.

Pão, bolachas, chocolates e frutas tornaram-se os principais alimentos dos moradores de Concepción. "Por sorte, minha avó e tias têm cultura europeia e a despensa cheia de compotas e não passaremos fome", disse Karin Kopf, estudante de medicina. Mas outras pessoas estavam com seus estoques de alimentos no fim. "Não saqueei nos primeiros dias, pois isso é errado. Mas agora não tenho quase nada de comida para dar a meus filhos. A presidente não percebe isso?", perguntava Juan Borjas, técnico metalúrgico.