Título: Uma aula de biologia para biólogos
Autor: Balazina, Afra
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2010, Vida&, p. A22

Summer World, de Bernd Heinrich, é um desses livros que só biólogos podem fazer. O problema é que o autor, da Universidade de Vermont, está longe de ser um biólogo qualquer. Para começar, ele mesmo ilustra as páginas com traços que, mesmo ao retratar a autópsia de um pássaro abatido no choque com as vidraças, conservam sinais de parentesco com os desenhos líricos das histórias infantis.

Ele também é um maratonista. Quase quarentão, perdeu por três segundos a vaga na equipe dos EUA para a Olimpíada de 1980. Desde então, acumulou recordes correndo 100 quilômetros em pouco mais de sete horas e 100 milhas em 12. Escreveu um artigo premiado sobre o esporte para o The New York Times. E fez um livro sobre os impulsos que levaram homens a alcançarem antílopes e animais velozes.

Tudo em que ele bota o olho fica interessante. Estudando mamangabas, provou que essas abelhas corpulentas poupam energias com o tino de economistas, para se manter mais quentes que o ar à sua volta. E, futricando a vida social dos corvos, provou que raciocinam e fazem escolhas conscientes.

Sobretudo, Heinrich escreve com a desenvoltura de quem acha a coisa mais natural pular de esquemas cosmológicos sobre a inclinação da Terra para um trecho de Here comes the Sun, de George Harrison. Seu novo livro, Summer World, descreve o mundo entre os verões de 2005 e 2009, na estação em que seres vivos aproveitam o maná de fótons que cai do céu para crescer e multiplicar-se. Tudo sem arredar os pés das florestas no Maine.

Só um atleta como ele saberia contar, como aventura épica, a migração do Archilochus colubris. O beija-flor-papo-rubi, cidadão dos trópicos, uma vez por ano desembarca nos bosques americanos, para acasalar-se e criar filhotes. Ao migrar, atravessa o golfo do México, voando sobre quase mil quilômetros de água a 55 quilômetros por hora. São 17 horas sem reabastecer, costeando o limite da inanição, uma narrativa de viagem para Amyr Klink nenhum botar defeito.

Com a mesma leveza, Heinrich vai da decomposição de um peru selvagem caçado por coiotes nos fundos de sua casa para a carta de um ex-aluno que, desenganado pelos médicos, quer deixar seu corpo apodrecer ao relento nas terras do professor. Segundo ele, aos "cuidados de moscas, besouros" e outros "celebrantes da renovação", capazes de conduzi-lo à única forma de imortalidade em que acredita - a do reaproveitamento das fontes de vida.

Heinrich responde que, com quase 7 bilhões de seres humanos sobre a Terra, essa modalidade de ritual fúnebre se tornou pouco prática. Não sem antes dar inteira razão ao remetente. Golpe de mestre, num livro que nem todo biólogo precisa ler, mas todo biólogo deveria, ao menos, desejar escrever.

* É jornalista e escreve no blog marcossacorrea.com.