Título: Equilíbrio federativo
Autor: Panzarini, Clóvis
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2010, Economia, p. B2

O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de julgar inconstitucional a Lei Complementar (LC) nº 62/89, que definiu uma tabela de porcentuais de rateio dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) às unidades federadas que deveria viger até 1991, mas continua produzindo efeitos até hoje. Determinou ainda o STF que até, no máximo, o fim de 2012, nova LC seja editada para atender ao disposto na Constituição, ou seja, definir um critério de partilha do FPE que promova o equilíbrio socioeconômico entre Estados. Se não o fizer nesse prazo, o fundo deixará de existir.

De fato, a Constituição federal estabelece em seu artigo 161 que "cabe à lei complementar (...) estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o artigo 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos (...), objetivando promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e entre municípios". O mencionado artigo 159 trata da entrega, pela União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios de parte do produto da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por meio do FPE e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

De clareza meridiana, esse comando constitucional objetiva promover o equilíbrio federativo via distribuição compensatória de recursos da União para as unidades federadas, cuja base econômica é insuficiente para prover seu orçamento com receita tributária própria. Pressupõe, pois, a adoção de critério que distribua os recursos do fundo na razão inversa do grau de desenvolvimento econômico de cada Estado.

A Constituição de 1988 não inovou ao criar esses fundos, que já existiam na Constituição de 1967. Apenas aumentou de 14% e 17% para 21,5% e 22,5%, respectivamente, o porcentual de arrecadação daqueles tributos destinado aos Estados e aos municípios. O critério de rateio do FPE, então definido no Código Tributário Nacional, era balizado pelos fatores territorial, populacional e econômico: 5% proporcionalmente à superfície de cada entidade participante e 95% proporcionalmente ao coeficiente individual de participação na população nacional e pelo fator representativo do inverso da renda per capita de cada entidade participante.

No último ano de sua vigência (1988), o Estado de São Paulo era aquinhoado com 4,0605% dos recursos do FPE. Com a promulgação da Constituição de 1988, o Congresso Nacional haveria de editar nova LC para redefinir o critério de rateio daqueles recursos federais. Poderia até ratificar o critério anterior, que obedecia ao pressuposto do "equilíbrio socioeconômico" exigido no texto constitucional. Como o tema envolvia interesse financeiro das unidades federadas, os secretários estaduais de Fazenda deliberaram, no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que os estudos técnicos e simulações, necessários ao embasamento de um projeto de lei complementar que definiria a nova partilha do FPE, deveriam ser encaminhados, discutidos e aprovados naquele colegiado.

Participante da equipe técnica paulista no Confaz, testemunhei, à época, a autossuficiência, nutrida pelo peso de suas bancadas no Congresso Nacional, das representações dos Estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que, em vez de estudo, apresentaram singela tabelinha de 27 linhas e 2 colunas concebida sabe-se lá onde e por quem, que destinava 85% dos recursos do FPE a seus Estados e os restantes 15% aos seis Estados das Regiões Sudeste e Sul. Essa tabela - que acabou virando a tal LC nº 62/89 - destina a São Paulo redondo 1% dos recursos do FPE, enquanto Bahia e Ceará, por exemplo, foram aquinhoados com 9,3962% e 7,3369%, respectivamente. Maranhão levou 7,2182%. Afinal, Sarney era o presidente da República. Ao protesto da representação paulista, porque sem qualquer critério se suprimia 75% da fatia de São Paulo (de 4,0605% para 1%), foi respondido que "FPE não é coisa para Estado rico" e que estavam sendo generosos em não zerar o quinhão paulista.

Agora, por imposição do STF, será definido novo critério de partilha do FPE. Haverá, pois, redistribuição horizontal de recursos orçamentários: alguns Estados perderão, outros ganharão. Não é improvável que o "critério socioeconômico" a ser aprovado venha a resultar em aumento daquele quinhão de 85%. Esse conflito remete ao velho problema da representatividade política das unidades federadas no Congresso. Não é por outra razão que alguns governadores temem uma nova reforma tributária.

*Clóvis Panzarini, economista, sócio-diretor da CP Consultores Associados Ltda. (www.cpconsultores.com.br), foi coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista