Título: A retaliação do nabo silvestre
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2010, Notas e informações, p. A3

Os consumidores de ameixas e abrunhos frescos, gomas de mascar sem açúcar e óleos de nabo silvestre ? refinados e em bruto ? devem preparar-se para um forte aumento de preços. Mas seu sacrifício será justificado por um objetivo estratégico. Aqueles produtos foram incluídos na lista de retaliação comercial aos Estados Unidos ? em tese, uma compensação pelos subsídios ilegais aos produtores e exportadores americanos de algodão. Os subsídios causaram distorções nos mercados e prejudicaram os produtores brasileiros e de outras nacionalidades. A Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou as subvenções, mas o governo americano recusou-se a mudar sua política. Diante disso, o Brasil foi autorizado oficialmente a retaliar, com base nas normas do comércio internacional. Mas a retaliação bilateral é uma solução quase sempre insatisfatória, principalmente quando aplicada contra uma grande potência. Essa falha do sistema de regulação comercial é agora mais uma vez comprovada.

As autoridades brasileiras obviamente não desejam impor a retaliação. A nota do Itamaraty a respeito do assunto não permite dúvida quanto a isso. O Brasil, segundo a nota, "permanece aberto a um diálogo com os EUA" para a busca de "solução mutuamente satisfatória para o contencioso".

A melhor solução seria o abandono dos subsídios ao algodão. Mas o governo brasileiro poderia levar em conta outras propostas, como, por exemplo, a eliminação de barreiras ao ingresso de certos produtos no mercado americano. Mas nenhuma proposta concreta havia sido apresentada até ontem.

Segundo a secretária de Estado Hillary Clinton, em visita ao Brasil na semana anterior, seu governo teria interesse em discutir alternativas à retaliação. O secretário do Comércio dos Estados Unidos, Gary Locke, chega hoje a Brasília e deve conversar sobre o assunto, mas questões de direito comercial pertencem à jurisdição de seu colega Ron Kirk, representante dos Estados Unidos para comércio internacional. O governo brasileiro não teria por que retardar a divulgação da lista. As barreiras, se forem aplicadas, só entrarão em vigor dentro de um mês.

A relação da Camex, com 140 itens, foi concluída depois de consultas ao setor privado. Tomou-se o cuidado de não produzir uma lista suicida. Evitou-se aumentar o imposto de importação de máquinas e insumos necessários à indústria e procurou-se poupar o consumidor de grandes incômodos.

A lista inclui alguns produtos mais óbvios do que abrunhos frescos e óleos de nabo silvestre, como amplificadores de som, cosméticos e certos tipos de automóveis. Se a retaliação for aplicada, o incômodo causado aos produtores americanos será infinitamente menor que os danos sofridos pelo setor brasileiro do algodão.

O comércio afetado pelas novas barreiras foi estimado em US$ 591 milhões. Se houver algum efeito, será pulverizado entre vários setores, enquanto os prejuízos causados ao setor algodoeiro do Brasil foram concentrados. Será uma surpresa se as perdas impostas àqueles setores forem suficientes para afetar a política americana.

O governo brasileiro poderá recorrer a um segundo lance. A OMC autorizou uma retaliação no valor de US$ 829 milhões. O Brasil ainda poderá aplicar medidas correspondentes a US$ 238 milhões, mas dirigidas a outros alvos: a propriedade intelectual e os serviços. As ações, nesse caso, poderão ser mais efetivas, levando os setores atingidos ? o farmacêutico é um dos mais prováveis ? a pressionar o presidente Barack Obama para buscar um acordo com o Brasil.

O governo americano conhece essa possibilidade, mas nem por isso mostrou interesse efetivo em negociar. Ao contrário, logo depois de chegar ao País, o novo embaixador americano, Thomas Shannon, falou em contrarretaliação, como se a parte condenada por violação das normas internacionais fosse a vítima, não a culpada.

Na ausência de propostas americanas, o Brasil, segundo a nota do Itamaraty, faz valer seu direito, "autorizado pela OMC". Dessa forma, "busca salvaguardar a credibilidade e legitimidade do sistema de solução de controvérsias daquela organização". Mas é difícil falar de credibilidade quando a eficácia das normas depende do poder de retaliação das partes. No fim, a força pode prevalecer, e o governo americano sabe disso. Quanto a esse ponto, o presidente Obama ainda não se mostrou diferente de seus antecessores.