Título: Sobretaxa do trigo vai encarecer o preço do pãozinho
Autor: Veríssimo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2010, Economia, p. B3

Para celulares, automóveis e produtos têxteis, impacto da medida anunciada pelo Brasil é reduzido ou inócuo

O trigo é um dos poucos itens que podem ser realmente prejudicadospelas sobretaxas à importação de produtos americanos. As medidas sãouma retaliação contra os Estados Unidos por não reduzirem os subsídiosao algodão condenados pela Organização Mundial do Comércio. Nos demaissetores da lista divulgada ontem pelo governo brasileiro - como carros,têxtil e eletrônicos -, o impacto é considerado "reduzido", "simbólico"ou até "inócuo".

"Não há dúvida que vai significar trigo maiscaro e aumento do preço do pãozinho, principalmente no Nordeste", disseo presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo),Luiz Martins. A tarifa de importação do trigo americano deve subir de10% para 30%. Entre os produtos atingidos, o trigo foi o mais importadoem 2009, com US$ 318 milhões.

Nas contas dos moinhos, o Brasilvai precisar de trigo americano para atender ao consumo interno de 10,5milhões de toneladas. Martins conta que a safra brasileira foi de máqualidade e ficou em 4,5 milhões de toneladas. A Argentina teve a menorsafra dos últimos 30 anos, e o excedente exportável foi de 1,5 milhãode toneladas.

Isso significa que mais de 4 milhões detoneladas este ano viriam dos EUA ou do Canadá. E o trigo canadense émais caro. Martins explica que o prejuízo é maior para os moinhos doNordeste, que importam mais da América do Norte pela proximidadegeográfica.

Nos demais setores, o impacto das sobretaxas foiconsiderado reduzido. Primeiro, porque os EUA vêm perdendo importânciacomo fornecedor para o Brasil, enquanto a Ásia ganha espaço. Segundo,porque o governo reduziu a lista - dos 220 itens previstos para 102 - eexcluiu insumos para a indústria, como produtos químicos e peças paraaviões.

A avaliação dos empresários foi que o governo brasileiro"não tinha opção", e a divulgação da lista "pode funcionar como uminstrumento de pressão". O setor privado ainda acredita que é possívelchegar a um acordo com os EUA antes do prazo de 30 dias estipulado paraas tarifas entrarem em vigor.

"O Brasil deu a sua cartada. É umaforma de trazer os Estados Unidos para a mesa de negociação. Colocou asconversas em outro patamar", disse o diretor de Relações Internacionaisda Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), MárioMarconini. Ele ainda espera que a retaliação, "que não gera comércio",seja substituída por compensações, "que aumentam o comércio".

Segundoo vice-presidente da Associação Nacional de Fabricantes de VeículosAutomotores (Anfavea), Antonio Sérgio Martins de Mello, "a medida foiresultado da falta de alternativa do Brasil diante da inflexibilidadedo governo americano". A Anfavea foi uma das entidades que maisreclamaram da inclusão dos seus produtos na lista de retaliação. Mellodisse que o assunto é "sensível", mas não deve ter efeitosignificativo, porque o volume de veículos importados dos EUA épequeno. Além disso, os valores dos carros são altos, o que reduz oimpacto da tarifa.

O executivo ainda está otimista com aperspectiva de um acordo entre os dois países antes da aplicaçãoefetiva das tarifas. Ele conta que as montadoras americanas estãopressionando seu governo para que faça alguma concessão ao Brasil queimpeça a retaliação.

No setor têxtil, as sobretaxas previstassão altas. Para tecidos e calças de algodão, por exemplo, a tarifa deimportação pode subir de 26% ou 35%, respectivamente, para 100%. Mesmoassim, a avaliação é de que a medida é "simbólica". Segundo odiretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit),Fernando Pimentel, os itens afetados representam 20% dos US$ 31 milhõesde importados dos EUA em 2009.

Alguns produtos eletrônicos, comocelulares, alto-falantes e microfones, também estão na lista. "Oimpacto da sobretaxa é inócuo", disse o gerente de comércio exterior daAssociação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, Mário Branco.Ele explica que são importados dos EUA apenas alguns itens muitosofisticados, e as peças já vêm há muito tempo da China.