Título: O orçamento japonês
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2010, Notas e informações, p. A3

Com a aprovação pela Câmara Baixa do Parlamento japonês, no início deste mês, de sua proposta de um orçamento recorde de US$ 1,03 trilhão (ou 92,3 trilhões de ienes) para o ano fiscal que começa no dia 1º de abril, o governo do primeiro-ministro Yukio Hatoyama poderá começar a desenvolver seu ambicioso programa econômico decenal, chamado Nova Estratégia de Crescimento.

No poder desde setembro, mas já com o prestígio popular em declínio, o governo Hatoyama deposita grandes esperanças nesse programa. Mas, em razão do fraco desempenho da economia japonesa nos últimos anos, que disseminou o desalento na população, os planos de Hatoyama parecem baseados mais no desejo do que na realidade. O programa prevê o crescimento médio real de 2% ao ano do PIB, com estímulos concentrados nas áreas de meio ambiente, saúde e turismo. Na área social, a meta é gerar 4,76 milhões de empregos em dez anos.

Se comparada com a de outros países asiáticos, a projeção para o crescimento da economia japonesa é modesta. A China, por exemplo, precisa crescer pelo menos 7% ao ano para evitar problemas sociais, e está crescendo a um ritmo mais intenso do que o necessário. Para os padrões japoneses, porém, a meta do governo Hatoyama é excessivamente otimista. Para alcançá-la, o ritmo de atividade da economia terá de dar um salto inédito em países industrializados.

A economia japonesa está estagnada há vários anos. A tímida recuperação iniciada há pouco mais de dois anos foi interrompida pela crise mundial. Desde o início do ano fiscal de 2008, o Japão enfrenta a pior recessão desde o fim da 2ª Guerra. Apesar dos sinais de recuperação observados nos últimos meses, a estimativa é de redução recorde do PIB ? cerca de 4%, em termos nominais ? no ano fiscal que termina este mês. Em valores reais, a queda deve ficar em cerca de 3%, pois se prevê que o Japão registrará nova deflação, de pouco mais de 1%.

Na campanha eleitoral do ano passado, para derrotar o Partido Liberal Democrata, que governou o país por cinco décadas consecutivas, o Partido Democrático de Hatoyama prometeu inverter as prioridades da política econômica, dando mais atenção às famílias e aos consumidores do que às empresas, sobretudo as do setor exportador. Outra promessa foi a de limitar os gastos públicos e conter o crescimento da dívida do governo.

Não será fácil cumprir essas promessas tão cedo, visto que a economia ainda precisa de estímulos orçamentários para se recuperar. Ao anunciar o orçamento para 2010, Hatoyama disse que, com ele, estava cumprindo parte do que prometera. "Esse orçamento é para proteger vidas", afirmou. "Fiz todo o esforço para garantir verbas para educação, emprego e bem-estar." Tudo depende das condições em que esse orçamento será executado.

Quanto à dívida, com o aumento projetado de US$ 480 bilhões, ela chegará a US$ 9,4 trilhões, a segunda maior do mundo em valor, só superada pela dos Estados Unidos. Como porcentagem do PIB (184% de tudo o que o país produz em um ano), é a maior dívida pública do mundo industrializado. Para tentar reduzi-la, Hatoyama abandonou uma de suas promessas ? a de reduzir o imposto da gasolina.

Depois de registrar, em julho do ano passado, o recorde do período pós-guerra (de 5,7%), o desemprego vem caindo no Japão. Em janeiro, o resultado foi o melhor desde março do ano passado. Ficou em 4,9%, contra 5,2% em dezembro.

Há dúvidas, porém, quanto à sustentabilidade da melhora no mercado de trabalho. A deflação e o iene forte em relação ao dólar afetam as receitas das empresas, o que limita sua capacidade e sua disposição de contratar trabalhadores. Como o Japão depende muito das exportações, seu crescimento está condicionado à recuperação de outras economias industrializadas, que ainda é incerta.

Precisando da rápida recuperação da economia para melhorar suas chances nas eleições de julho para a renovação da Câmara Alta, Hatoyama conta só com o novo orçamento para tentar estimular o consumo interno, pois, do exterior, a ajuda até agora tem sido decepcionante.