Título: Bolsa-Família ainda fica aquém da Previdência Rural
Autor: Simão, Edna
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2010, Nacional, p. A10

Programas de transferência de renda criados em 1988 têm impacto maior contra pobreza

Ao contrário do que o governo costuma divulgar, o Bolsa-Família, apesar de ser uma importante ferramenta de combate à pobreza, não é o maior e mais importante programa de distribuição de renda do País. Os programas de transferência de renda garantidos pela Constituição de 1988 - como a Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas) - têm um impacto mais significativo na redução da pobreza. O terceiro em impacto social é o Bolsa-Família.

Atualmente, 12,6% da população brasileira vive em situação de indigência (renda inferior a ¼ do salário mínimo) e outros 32% em situação de pobreza (renda menor do que meio salário mínimo). Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, se fosse retirado o Bolsa-Família dessa conta, a indigência saltaria para 13,9% e a pobreza para 33%.

Mas a situação fica muito pior quando o cálculo desconsidera não só o Bolsa-Família como também benefícios previdenciários e o BPC. Nesse caso, a indigência e a pobreza passariam a representar 23,4% e 43,7% da população brasileira, respectivamente. "Isso mostra que a Previdência Social e o BPC conseguem retirar uma parcela maior da população da indigência, permitindo uma mobilidade maior do que o Bolsa-Família", afirmou a pesquisada do Ipea, Luciana Jaccoud.

FUNRURAL

A Previdência Rural foi criada ainda no regime militar, em 1971, com o nome de Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que anos depois passou a atender também os pescadores (1972) e os garimpeiros (1975). Era quase uma esmola, sem impacto na redução de pobreza e transferência de renda porque pagava benefícios de apenas meio salário mínimo ao cabeça do casal, com 65 anos. As pensões eram limitadas a 30% do benefício.

A Constituição de 1988 aprovou e o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pôs em prática a universalização previdenciária com a ampliação dos benefícios para um salário mínimo, acesso de homens e mulheres idosos à Previdência Rural e redução da idade de aposentadoria (60 para homens e 55 para mulheres).

Os benefícios pagos pela Previdência Rural e o BPC-Loas lideram o volume de recursos destinados pelo governo para reduzir as desigualdades. Só no ano passado foram mais de R$ 40 bilhões desembolsados para pagamento de mais de 11 milhões de benefícios. Esse valor corresponde, sozinho, a todo o déficit da Previdência Rural em 2009. Isso porque, a contribuição paga pelos trabalhadores rurais com base na produção é insuficiente para bancar as aposentadorias.

Somente com BPC-Loas, que está incorporado às contas do Instituto Nacional do Serviço Social (INSS), é liberado R$ 1,4 bilhão para atender 3,1 milhões de pessoas. Recebem o BPC 1,5 milhão de idosos com mais de 65 anos e 1,6 milhão de pessoas com deficiência. No caso do Bolsa-Família, está prevista a liberação de R$ 13,1 bilhões para atender 12,9 milhões de famílias neste ano. Em 2009, foram gastos R$ 12,4 bilhões.

MUDAR DE PATAMAR

Para o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, os programas têm focos diferentes, mas os três têm impacto relevante na diminuição das desigualdades. "A taxa de pobreza entre os idosos é de algo em torno de 10%. Eles estão comparativamente bem em relação à sociedade", disse Schwarzer.

E a justificativa é simples. No caso da Previdência Social - maior parte dos benefícios pagos é para o trabalhador rural - e BPC, o valor do benefício corresponde a um salário mínimo (R$ 510). Já no Bolsa Família, essa assistência varia de R$ 22 a R$ 200. "Quem recebe a Previdência Rural e BPC tem mais condições de mudar de patamar. Com essa determinação constitucional, o índice de pobreza entre os idosos é extremamente baixo. É um ganho social enorme para o País", destacou a pesquisadora Luciana Jaccoud.

Apesar de ter um peso menor na redução das desigualdades, Luciana explicou que o Bolsa-Família também é um programa fundamental porque atende um público diferenciado, famílias com crianças que vivem em situação de extrema pobreza. "Contempla um público que está excluído das determinações constitucionais", disse a pesquisadora.