Título: Medida não atinge Golias, mas enfraquece o Davi
Autor: Mello, Patrícia Campos ; Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2010, Economia, p. B3

Pequenas distribuidoras estão mais preocupadas do que as grandes - as chamadas "majors" - se o segmento cinematográfico for confirmado entre os itens que serão usados pelo governo brasileiro para retaliar os Estados Unidos, em razão da concessão de subsídios à produção e exportação de algodão.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) já autorizou a retaliação como legítima, a questão é o como, em que áreas ocorrerá. Ainda estamos nas preliminares do processo, mas entre os 21 itens colocados ontem em consulta pública está a quebra de direitos autorais, aplicada à exibição pública de músicas e filmes.

Wilson Feitosa, diretor-geral da Europa Filmes, manifesta sua preocupação. A Europa é uma empresa que trabalha com produção e distribuição de filmes nacionais e estrangeiros para cinema e DVD. Agora mesmo, guardadas as proporções, colhe um êxito considerável. O filme argentino O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella, vencedor do Oscar de melhor produção em língua estrangeira, está batendo nos 93 mil espectadores. É pouco comparado aos 10 milhões de Avatar, de James Cameron, que está fazendo a fortuna da Fox no Brasil, mas bastante para uma empresa pequena.

A Europa Filmes não adquiriu os direitos do filme argentino diretamente do país vizinho, mas por meio de uma empresa espanhola, a Latina. A partir do momento em que atingir os 120 mil espectadores - que espera alcançar -, a Europa terá zerado as despesas de distribuição e terá de repassar os lucros à Espanha. Um eventual aumento da taxação a deixará em dificuldades para honrar seus compromissos.

A própria Latina é uma empresa independente que necessita desse caixa para se lançar em futuras produções. O projeto torna ainda mais vulneráveis os pequenos, adverte Feitosa, com a ressalva de que até agora nada está muito claro, entre a intenção do governo e a sua prática para executá-la. As majors poderão deixar de investir no cinema brasileiro, por meio do artigo 3.º - e obras importantes foram e continuam sendo financiadas com o recurso -, mas sempre poderão paralisar as remessas, à espera de uma solução que lhes seja favorável no que poderá virar um impasse, sem que o dinheiro bloqueado deixe de ser delas.

Público penalizado. A questão é que filmes são um produto cultural diferenciado de outros que também poderão ser taxados e, no limite, quem será penalizado vai ser o público brasileiro. Os distribuidores independentes, mesmo quando não falam, garantem que é mais fácil a taxação dificultar a entrada de O Segredo de Seus Olhos e A Fita Branca - de Michael Haneke, outro exemplo - no mercado brasileiro do que atingir o Golias dessa história, que é o cinemão norte-americano.

Eles se assustam, e com razão. O governo pode estar visando a um alvo, mas corre o risco de atingir outro. Na tentativa de penalizar Golias, corre-se o risco de inviabilizar o pobre Davi.