Título: O risco da inflação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2010, Notas e informações, p. A3

A inflação prevista pelo mercado financeiro está ficando cada vez mais distante do centro da meta oficial de 4,5%. O otimismo em relação ao crescimento da economia, agora estimado em 5,5% para este ano, vem sendo acompanhado de avaliações cada vez mais sombrias da evolução dos preços. Pela nona semana consecutiva os economistas do setor financeiro elevaram, desta vez para 5,1%, a projeção de aumento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A previsão para 2011 subiu por duas semanas seguidas e chegou a 4,7%, segundo o relatório semanal Focus do Banco Central. Esse relatório resume os cenários traçados por cerca de uma centena de instituições. O IPCA é a referência para o regime de metas de inflação e o alvo principal do Copom, responsável pela fixação da taxa básica de juros.

Curiosamente, o mercado continua prevendo juros de 11,25% para o fim do ano, a mesma taxa projetada há nove semanas. Na quarta-feira passada o Copom decidiu manter a Selic em 8,75%, embora as projeções já indicassem uma inflação acima do centro da meta. A decisão surpreendeu parte dos analistas. Mas a surpresa será muito maior se um primeiro aumento, provavelmente de 0,5 ponto porcentual, não for decidido na reunião do fim de abril. Nesta quinta-feira o Copom divulgará a ata de sua última reunião e explicará por que a maioria de seus membros votou pela manutenção da Selic na semana passada. Os analistas do mercado terão mais elementos para refazer suas projeções de inflação e de juros.

Há pelo menos um aspecto positivo nos últimos dados de inflação. Os aumentos de preços têm sido mais moderados. Mas, apesar disso, a elevação dos índices mais conhecidos continua pondo em risco a meta de 4,5%.

A segunda prévia de março apontou uma alta de 0,91% para o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), ligeiramente menor que o anterior (1,1%). O principal componente do IGP-M, o Índice de Preços por Atacado (IPA), perdeu impulso. Sua variação diminuiu de 1,34% para 1,1%, mas ainda continuou muito forte. Nas últimas quatro semanas, o IPC da Fipe também continuou subindo em ritmo incompatível com a meta oficial, embora também tenha perdido um pouco de vigor. Nos últimos 12 meses, todos os indicadores ultrapassaram o centro da meta, incluído o IPCA (4,83% no período de um ano até fevereiro).

Os preços dos alimentos têm sido as maiores fontes de pressão sobre os índices. Esse dado não surpreende, depois dos estragos causados pelo excesso de chuvas em algumas áreas. Além disso, as cotações internacionais de vários produtos permanecem elevadas. Mas a alta de preços de bens intermediários também continua pressionando os indicadores, como confirmam os dados da FGV. Além do mais, as pressões têm sido amortecidas pelo câmbio valorizado e pelas importações. As compras de produtos estrangeiros têm crescido mais rapidamente que as vendas ao exterior e isso se reflete no superávit comercial, 50% menor que o de um ano antes.

Não se pode, portanto, menosprezar a hipótese de uma inflação alimentada pela forte demanda de consumo, A demanda interna tem sido sustentada pela massa de salários em expansão ? um fator altamente positivo ? e também pelo aumento do crédito e pelo excesso do gasto público. O governo deveria dar mais atenção aos dois últimos fatores. O mero bloqueio de R$ 21,8 bilhões do orçamento federal, anunciado na semana passada, não chega a ser um compromisso de austeridade.

Esse dinheiro agora bloqueado ? ou boa parte dele ? será liberado dentro de algum tempo, se a arrecadação continuar em crescimento, como se espera. Uma política de crédito frouxo para o consumo também não parece prudente, a julgar pelos dados conhecidos até agora. Os investimentos da indústria têm crescido e a expansão da capacidade compensará pelo menos em parte o aumento da procura. Mas o descompasso entre o consumo e a produção já se acumula há mais de um ano e seu efeito é visível nas contas externas. Será perigoso menosprezar esse dado por mais tempo.