Título: Tempo para conserto
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2010, Economia, p. B2

Aconfusão armada pela emenda Ibsen, que redistribui por todos os Estadose municípios os royalties pagos pelo petróleo e pelo gás, inclusive osda exploração sob as concessões em vigor, mostra o estrago que a pressae a leviandade dos políticos estão provocando no marco regulatório dopetróleo.

A comissão interministerial levou um ano para elaborar a proposta equer agora que cada Casa do Congresso tenha apenas 45 dias parasacramentá-la. A encrenca causada pela questão dos royalties deveriaservir para criar a percepção de que todos os princípios do marcoregulatório deveriam ser objeto de análise mais serena do que foram atéagora. Há pelo menos quatro pontos que precisam de mais reflexão:

(1) Sistema de partilha - Nos países onde vigora o regime departilha - pelo qual a empresa contratada é ressarcida em petróleopelos seus custos - criam-se usinas de corrupção. Imagine o que issopoderá ser no País do Mensalão, em que o próprio presidente daRepública se dá ao direito de ignorar tribunais de contas. Não há nadade errado no sistema de concessões de hoje. Se o risco de exploração dopré-sal é inferior ao das outras áreas, basta aumentar as participaçõesespeciais a serem recolhidas ao Tesouro para que os desequilíbriossejam corrigidos.

(2) Petro-Sal - Até agora não ficou clara a necessidade de uma novaempresa estatal para administrar os rendimentos do pré-sal. Por isso,avolumam-se as suspeitas de que não passará de instrumento de exercíciodo poder destinado a acomodar interesses dos políticos.

(3) Os 30% da Petrobrás - A proposta do governo prevê que todos osconsórcios contratados para exploração do pré-sal tenham participaçãoda Petrobrás em pelo menos 30%. A justificativa é a de que a Petrobrásprecisa de escala de produção para poder justificar compras por preçossuperiores aos vigentes no mercado de sondas e equipamentos. Faltaperguntar se a Petrobrás dará conta de tarefa tão gigantesca, se haverácapital e se não é arriscado depender tanto de uma só empresa.

(4) Capitalização - A proposta prevê a transferência, sem licitação,de 5 bilhões de barris de petróleo da União para a Petrobrás, para queesse patrimônio entre como subscrição da parte da União no aumento decapital da Petrobrás. Para não criar problemas com os acionistasminoritários (detentores de 67,8% do capital), o governo prevê umtruque financeiro: vai adiantar o equivalente em títulos do Tesouro,que depois serão devolvidos para completar a operação de cessãoonerosa. É um expediente passível de contestação na Justiça, na medidaem que pode ser considerado doação disfarçada e, portanto,inconstitucional (veja o Contraponto). Afora isso, é preciso ver se omercado terá condições de absorver a maior operação de lançamentos deações novas do mundo (cerca de US$ 60 bilhões), sabendo que não podecontar tão cedo com a remuneração desse capital.

Ainda há tempo para repensar tudo. Mas os senadores terão de agircom mais responsabilidade do que agiram os políticos da Câmara dosDeputados.

Veja o que pensam três especialistas sobre a cessão onerosa da Uniãopara a Petrobrás, tal como prevista no projeto de lei em exame peloCongresso Nacional:

André Camargo, coordenador do programa de pós-graduação em Direitodo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper): "A pesquisa e a lavra dasjazidas de petróleo constituem monopólio da União. Se há monopólio, nãohá concorrência, por isso a União pode transferir, sem licitação, os 5bilhões de barris de petróleo."

Floriano Azevedo Marques, professor de Direito Público da USP: "AConstituição permite dispensa da licitação caso seja prevista por lei.É o que está acontecendo agora. Se o atual projeto for aprovado comoestá, não haverá o que contestar.""

Ana Paula Simão, especialista em Direito Público: "Não há como nãolicitar nesse caso, mesmo que a Constituição traga algumas exceções.Por isso, o projeto de lei que está para ser aprovado pode vir a serdeclarado inconstitucional. "