Título: Os motivos para aprovar a reforma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2010, Internacional, p. A23

Entre eles, estão os casos de seguradoras de saúde que vêm revogando as apólices de seus [br]segurados quando estes ficam doentes

Seja qual for a decisão tomada, o destino da reforma do sistema de saúde será definido nos próximos dias. Se a liderança democrata na Câmara dos Estados Unidos conseguir 216 votos, a reforma se tornará quase imediatamente lei imposta pelas autoridades. Caso contrário, a reforma da saúde pode ser adiada em muitos anos - talvez uma década ou mais. Assim sendo, este parece ser um bom momento para relembrar os motivos pelos quais precisamos desta reforma, por mais imperfeita que seja.

A agência de notícias Reuters publicou esta semana uma reportagem investigativa que ilustra de maneira poderosa as vilanias do sistema atual. A reportagem trata do caso da seguradora Fortis, agora parte da Assurant Health, que sistematicamente revoga as apólices de seus assegurados quando estes ficam doentes.

Segundo a reportagem da Reuters, a empresa teve como alvo cada um dos assegurados que contraiu o vírus do HIV, procurando por uma desculpa para o cancelamento, por mais esfarrapada que fosse. No caso que trouxe tudo isto à luz, a Assurant Health usou um bilhete obviamente equivocado escrito à mão por uma enfermeira, que teria assinalado "2001" em vez de "2002", para alegar que a infecção era uma condição pré-existente o assegurado não tinha divulgado, revogando, assim, a apólice.

Tratou-se de um procedimento ilegal, e a Assurant Health sabia disso: depois de sustentar uma decisão garantindo uma ampla indenização ao assegurado prejudicado, a Suprema Corte da Carolina do Sul concluiu que a empresa seguradora estivera mascarando sistematicamente seus movimentos quando cancelava a cobertura, não apenas neste caso, mas em relação a todas as apólices.

Mas esta questão vai muito além do respeito à lei. Para começar, trata-se de um exemplo que deve ser levado em consideração por aqueles que castigam o presidente Barack Obama por "demonizar" as seguradoras.

A verdade, amplamente documentada, é que há um motivo simples para a adoção generalizada de um comportamento como o da Assurant Health: ele compensa.

Uma comissão da Câmara dos Representantes estimou que entre 2003 e 2007 a Assurant lucrou US$ 150 milhões com o cancelamento das apólices de pessoas que pensaram estar asseguradas, soma muito superior à multa imposta pelo tribunal neste caso específico. Descrever o que as seguradoras realmente fazem não é demonizá-las.

Cobertura. Além disso, esta é uma história que só poderia ocorrer nos Estados Unidos. Em todos os demais países desenvolvidos, a cobertura do seguro está disponível a todos, independentemente de seu histórico médico. Nosso sistema é único em sua crueldade.

Mais uma coisa: o seguro de saúde com base no emprego, que já é regulamentado de maneira a praticamente evitar esse tipo de abuso, está se desenredando. Menos da metade dos funcionários de pequenas empresas possuía cobertura, uma redução em relação aos 58% registrados há dez anos. Isto significa que, na ausência de uma reforma, um número cada vez maior de americanos estará nas mãos de empresas como a Assurant Health.

Apoio. Qual é a resposta, então? A grande maioria dos americanos é favorável à garantia de cobertura para aqueles com problemas de saúde preexistentes, mas isso só pode ser feito por meio da adoção de uma reforma ampla. Para que o seguro saúde se torne acessível, é preciso que todas as pessoas atualmente saudáveis sejam mantidas no convênio, o que significa exigir que todos ou quase todos adquiram seguro. É impossível fazê-lo sem oferecer auxílio financeiro aos americanos de baixa renda para que possam pagar as tarifas. Assim, chegamos a uma medida tripartite: a eliminação da discriminação médica, a cobertura gerenciada, e os subsídios às tarifas.

Dito de outra forma, o resultado é algo parecido com o plano de atendimento médico introduzido por Mitt Romney no Estado de Massachusetts em 2006, ou também o plano muito semelhante que a Câmara pode aprovar - ou não - nos próximos dias. Uma reforma ampla é a única maneira de avançar.

Déficit. Será que podemos arcar com este custo? Sim, diz o Gabinete Orçamentário do Congresso, que concluiu na quinta-feira que a legislação proposta reduziria o déficit em US$ 138 bilhões em sua primeira década, e em 0,5% do PIB na década seguinte, o que corresponde a US$ 1,2 trilhão.

Mas será que não deveríamos nos concentrar mais no controle de custos em vez da extensão da cobertura? Na verdade, a reforma proposta faz mais para controlar os custos do sistema de saúde do que qualquer outra legislação anterior, pagando pela cobertura estendida por meio da redução da proporção de crescimento dos custos do Medicare, e com isso melhorando substancialmente o financiamento de longo prazo do programa Medicare. E esta combinação de cobertura mais ampla e controle de custos não é acidental: faz tempo que os especialistas em medidas de saúde sabem que estas preocupações caminham juntas. Os Estados Unidos são o único país desenvolvido desprovido de atendimento médico universal, e possuem também o sistema de saúde mais caro de todos, por uma grande margem de diferença.

É possível imaginar uma reforma melhor? Claro. Se o presidente americano Harry Truman (1945-1953) tivesse acrescentado o atendimento médico ao sistema previdenciário em 1947, teríamos um sistema mais barato e mais eficiente do que aquele cujo destino está agora em jogo. Mas um plano ideal não está entre as opções atuais. E o que figura entre tais opções, pronta para a adoção, é uma legislação fiscalmente responsável, que avança no sentido de conter o aumento do custo do sistema de saúde, e faria do nosso país um lugar melhor, mais justo e mais decente.

Para que isto aconteça, é preciso apenas que um punhado de congressistas indecisos faça a coisa certa. Vamos torcer por isto.