Título: Hidrelétricas destroem cachoeiras no Jalapão
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2010, Vida, p. A33

Tornou-seum drama para o meio ambiente uma das soluções encontradas pelo governopara tentar atender à crescente demanda por energia elétrica. Pornecessitarem apenas de uma queda de água e pouca vazão, as PequenasCentrais Hidrelétricas, chamadas de PCHs, proliferam sem controle,engolem cavernas e destroem corredeiras Brasil afora.

Como não ocupam grandes espaços nem precisam de lagos gigantescos,as PCHs podem ser construídas enfileiradas umas atrás da outras. É oque está acontecendo no município de Dianópolis, que fica a 350quilômetros a sudeste de Palmas.

A região é um dos portões de entrada do Parque Estadual do Jalapão -uma área de 150 mil hectares que mistura Cerrado e veredas cortadas porrios. A Estação Ecológica da Serra Geral e o Parque Nacional dasNascentes do Rio Parnaíba são vizinhos do Jalapão.

Na região de Dianópolis foram construídas e estão em funcionamentoseis PCHs, todas no Rio Palmeiras. Outras duas estão em construção nomesmo rio e deverão começar a funcionar logo - as oito PCHs ficam em umtrecho de apenas 150 km, distância igual à que separa as cidades de SãoPaulo e Limeira.

Ao sul e ao norte do Palmeiras há outras três PCHs em funcionamento,perfazendo uma dezena de pequenas centrais em uma única região de altasensibilidade ambiental.

Por causa da construção das PCHs em sequência, não há mais comopraticar o rafting (descida nas corredeiras com boias) no RioPalmeiras.

As obras destroem as cachoeiras porque precisam de um desnível norio que dê à água que cai força suficiente para rodar as turbinas. Elasdestroem também grutas e outros acidentes naturais.

Para a construção das PCHs de Areias e Água Branca, negociaram com oMinistério Público compensações para que seja preservada a Gruta daVozinha - assim chamada porque o vento que passa entre as paredes faz osom de uma fina voz - e um local conhecido por Vale Encantado, comatrativos naturais.

Sem royalties. O Rio Palmeiras, tão cheio de PCHs, nasce na SerraGeral, que divide os Estados da Bahia, de Goiás e do Tocantins. Seucurso segue para oeste. Ao chegar em Dianópolis, vira para o sul. Comoé característico da Bacia do Tocantins, há nele muitas quedas d"água, oque atraiu as pequenas usinas.

Suas águas correm muito rápido até chegar ao Rio Palmas, que deságua no Rio Paranã, e daí vão para o Tocantins.

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), operam hojeno Brasil 359 pequenas centrais hidrelétricas, gerando 3.045 megawatts(MW), ou 2,78% da energia do País.

Outras 72 estão em construção e já foram outorgadas mais 145. AsPCHs encaixam-se na categoria das usinas que geram energia limpa, comum mínimo de emissão de gases de efeito estufa, o que é bom para o País.

O problema é que, além de destruírem cachoeira, ao contrário dasgrandes centrais hidrelétricas, que pagam pesados royalties aosmunicípios - permitindo assim compensações e investimentos empreservação ambiental -, as pequenas hidrelétricas não deixam umcentavo no local onde funcionam.

A lei isenta do pagamento de royalties as hidrelétricas que geramaté 30 MW, o máximo de potência permitido para as usinas enquadradascomo PCH. Além disso, o ICMS é pago no local de consumo da energia, enão onde é gerada.

As que ficam no portal do Jalapão vendem a energia para municípiosvizinhos da Bahia. Nada vai para Dianópolis, Taguatinga e Bom Jardim,por onde passa o Rio Palmeiras.

"A legislação tem de mudar", diz o prefeito de Dianópolis, JoséSalomão (PT). "Elas geram sérios problemas ambientais, pois mudam atopografia da região, desaparecem com as cachoeiras, impactam a vidados ribeirinhos e não pagam nada por isso."

Problemas sociais. As PCHs deixam também um rastro de problemassociais. Durante a construção chegam pessoas de todos os lados, quepressionam principalmente os postos de saúde municipais. O prefeitoconta que, depois da conclusão da obra, a maioria dos trabalhadores vaiembora, mas alguns "ficam por ali perambulando", sem trabalho. "Tambémcostuma ficar uma penca de meninas grávidas", afirma Salomão.

"Vou começar a jogar duro com as PCHs. Elas geram muitos danos.Desmatam, mudam cursos d"água, acabam com as cachoeiras e provocamdoenças. Recentemente tivemos um surto de leishmaniose na região", dizo promotor de Dianópolis, Rodrigo Barbosa Vargas.

A Eletrobrás, que compra toda a energia das PCHs, informou porintermédio de sua assessoria de imprensa que os projetos só podem seraprovados quando cumprem todas as exigências legais. E osempreendedores têm de assinar documentos se comprometendo a fazercompensações ambientais.