Título: Em vão, Rússia e China pressionam Irã a acatar plano das Nações Unidas
Autor: Barry, Ellen; Kramer, Andrew
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2010, Internacional, p. A14

Questão nuclear. Enviados de Moscou e Pequim teriam se reunido em Teerã com autoridades iranianas para convencê-las a aceitar oferta internacional sobre enriquecimento de urânio, mas não obtiveram sucesso; recusa deve fortalecer apoio a sanções

O Kremlin revelou ontem que enviados chineses e russos pressionaram o governo iraniano, durante reuniões realizadas no início do mês em Teerã, a aceitar a proposta das Nações Unidas para o enriquecimento de urânio. No entanto o Irã teria recusado a oferta, restringindo "cada vez mais o espaço para manobras diplomáticas".

"O clima está piorando", disse um funcionário de alto escalão do Ministério de Relações Exteriores russo. A informação foi passada a repórteres sob condição de anonimato, como manda o protocolo diplomático.

Segundo o funcionário, a Rússia estaria considerando estender seu apoio a sanções elaboradas na ONU para evitar a proliferação de armas nucleares - apesar de Moscou "ser claramente contrário a medidas paralisantes que tenham como objetivo não a restrição da proliferação nuclear, e sim castigar o Irã ou, na pior das hipóteses, provocar uma mudança de regime".

Os comentários foram feitos depois que a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, repreendeu a Rússia por anunciar o início das operações em uma nova usina nuclear construída em Bushehr, na costa iraniana do Golfo Pérsico. A parceria entre Moscou e Teerã, segundo Hillary, prejudicava os esforços internacionais para pressionar o Irã a abandonar o desenvolvimento de armas.

As afirmações do diplomata russo sugerem que China e Rússia - os únicos dois países entre os seis membros do Conselho de Segurança que ainda mantêm restrições às sanções ao Irã - estão sentindo a pressão aumentar.

Obter o apoio russo para as sanções contra o Irã era um objetivo central do "reinício" nas relações com Moscou defendido pelo governo de Barack Obama. Mas a Rússia há muito resiste a medidas que provoquem desgaste nos laços estratégicos e econômicos com Teerã.

A parceria entre russos e iranianos teria sido enfatizada na semana passada quando, durante uma visita de Hillary a Moscou, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, anunciou que o primeiro reator da usina de Bushehr começaria a funcionar nos próximos meses.

"Destino maravilhoso". Na entrevista anônima concedida ontem, o funcionário do Ministério do Exterior disse que as sanções não teriam efeito na usina construída pelos russos, e garantiu que "o destino de Bushehr deve ser maravilhoso".

O diplomata disse também que a capacidade de enriquecimento de urânio do Irã é tão pequena que ele duvida que o país seja capaz de construir uma arma nuclear em breve.

A Rússia, contudo, tem um forte interesse no monitoramento dos programas nucleares de todos os países próximos de suas fronteiras, completou o funcionário.

"Não quero sugerir a possibilidade de o Irã infligir um ataque nuclear contra a Rússia, mas qualquer conflito entre um Irã nuclear e um terceiro participante teria consequência negativas, até mesmo devastadoras, para nossos interesses de segurança e para nossos territórios vizinhos", disse ele.

Energia. Também ontem, a Lukoil, maior empresa de petróleo da Rússia, disse estar encerrando suas atividades num campo de petróleo de proporções médias em decorrência das "iminentes sanções internacionais" contra Teerã.

O anúncio foi feito na ocasião da divulgação de seus resultados anuais referentes ao ano de 2009. Os dados demonstravam que as restrições internacionais aos investimentos em território iraniano tinham custado à empresa cerca de US$ 63 milhões no ano passado.

Grigory Volchek, porta-voz da Lukoil, não revelou quais foram as sanções que convenceram a companhia a abandonar o projeto de Anaran, que inclui vários campos de petróleo. Analistas do setor energético em Moscou dizem que a Lukoil pode ter decidido aderir às sanções americanas porque ela é proprietária de redes de postos de gasolina nos Estados Unidos.

A Gazprom, gigante energética russa de propriedade estatal, anunciou recentemente o reforço de seus investimentos no Irã, A atitude demonstraria que autoridades russas querem evitar transmitir a impressão de estarem se curvando aos interesses americanos ao fecharem negócios com outros parceiros.

A Gazprom afirmou que investiria em dois blocos de extração dentro do projeto de Anaran, de acordo com a agência de notícias russa Interfax. A assessoria de imprensa da estatal russa, entretanto, não quis comentar as informações.

PARA ENTENDER

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ofereceu ao Irã trocar urânio por material nuclear. A permuta seria efetuada em um terceiro país - como Turquia, Rússia ou França. Inicialmente o nome do Brasil havia surgido entre os possíveis "depositários" do acordo trilateral, mas a possibilidade foi descartada. A principal discórdia agora é sobre o cronograma do acordo. O Irã exige que a troca seja imediata, mas potências temem que um pacto desse tipo acelere o programa iraniano.

PONTOS-CHAVE

Usina clandestina

Em setembro, EUA e França revelaram a existência de uma usina iraniana clandestina. A instalação, construída para suportar bombardeios, ficava ao lado da cidade de Qom

Encontros de Genebra

Potências e o Irã reuniram-se em outubro na Suíça para discutir a questão nuclear. No encontro, potências ocidentais formalizaram proposta para trocar urânio por material nuclear

Reforço de críticas à AIEA

Em fevereiro, presidente Mahmoud Ahmadinejad (foto) e líder supremo Ali Khamenei atacam a AIEA, aumentando temores de que Irã se retire do órgão da ONU

Desapontamento

Nos últimos dias, o diretor da AIEA, Yukia Amano (foto), engrossou as críticas ao Irã. As potências não conseguiram convencer Teerã e as discussões sobre sanções ganharam força