Título: Yitzhak Rabin
Autor: Fausto, Sergio
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2010, Espaço aberto, p. A2

Para quem nunca ouviu falar ou dele não se lembra, apresento-o: general e político israelense, que ocupou várias vezes o cargo de ministro da Defesa e em duas ocasiões o de primeiro-ministro de seu país, a segunda delas entre 1992 e 1995, quando conduziu as negociações que resultaram nos Acordos de Oslo, o mais importante passo já dado na direção da convivência pacífica entre israelenses e palestinos, razão pela qual recebeu, com Yasser Arafat, o Prêmio Nobel da Paz de 1994. Em 4 de novembro de 1995, morreu assassinado por um compatriota ultrarreligioso num comício eleitoral de apoio ao processo de paz e à sua candidatura à reeleição como primeiro-ministro.

Quinze anos depois, cabe recordar o exemplo de Rabin, que pagou com a própria vida a coragem e a visão históricas de reconhecer a impossibilidade moral e política de manter a ocupação israelense dos territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, bem como a necessidade, para assegurar a paz na região, de edificar a convivência entre dois Estados independentes e autônomos, lado a lado. Não se deve esquecer, a propósito, de que Rabin havia sido chefe do Estado-Maior das Forças Armadas na guerra de 1967, que incorporou a Israel os referidos territórios, e ministro da Defesa quando da primeira rebelião palestina nos territórios ocupados, duramente reprimida pelo exército israelense. Não era, pois, uma "pomba". Era um "falcão", preocupado com a segurança do Estado de Israel.

O exemplo de Rabin contrasta com o do atual primeiro-ministro Benjamim Netanyahu e do ministro das Relações Exteriores de seu governo, Avigdor Liebermann, este mais extremista do que aquele, ambos porém representantes das mesmas forças políticas que se bateram contra os Acordos de Oslo e estigmatizaram Rabin. Fizeram-no a tal ponto que não parece sem fundamento dizer que contribuíram para criar o clima político que levou um tresloucado a assassiná-lo.

São essas forças políticas, que representam a metade de um país profundamente dividido, o principal obstáculo à retomada das negociações para uma tão difícil quanto indispensável realização do espírito e das linhas principais dos Acordos de Oslo. Se dúvida houvesse sobre a disposição do atual governo israelense, ela foi dissipada depois que o prefeito de Jerusalém anunciou a construção de 1.600 novas edificações na parte leste da cidade, no exato momento em que o vice-presidente americano, Joe Biden, estava em Israel para pressionar pela retomada das negociações com os palestinos. Para estes, o congelamento dos assentamentos israelenses, incluindo a mal disfarçada estratégia de expulsão dos árabes da parte leste de Jerusalém, é uma precondição inegociável.

Repor israelenses e palestinos nos trilhos dos Acordos de Oslo é importante não apenas para o futuro dos dois principais envolvidos, mas de todo o Oriente Médio e, por consequência, do mundo, dadas as implicações que uma deterioração ainda maior das condições de paz e segurança naquela região teria para todo o globo. É esse o diagnóstico que informa a estratégia do governo Obama para a região.

A estratégia de Obama se desdobra em quatro frentes associadas (do Afeganistão aos territórios ocupados da Palestina, passando pelo Iraque e, muito especialmente, pelo Irã) e visa a um grande objetivo: a estabilidade política, pela contenção do terrorismo, pela redução, se não eliminação, dos riscos de nuclearização dos conflitos regionais e pelo fortalecimento dos Estados nacionais, sejam existentes, como o ameaçado Paquistão, ou necessários, como o Estado Palestino. Trata-se de estratégia distinta da que adotou George W. Bush, desde logo porque aposta para valer no esforço multilateral de co-responsabilizar a Europa, a China e a Rússia e no engajamento dos países árabes não hostis ao Ocidente, em especial a Arábia Saudita, o Egito, a Jordânia e a Turquia.

Para o sucesso da estratégia em seu conjunto, serão fundamentais os passos dados para encontrar solução justa e sustentável para o conflito entre israelenses e palestinos. Só a direita israelense não vê a conexão entre a questão palestina e o apoio difuso de que o Irã desfruta entre as populações árabes. As humilhações cotidianas a que são submetidos os palestinos dos territórios ocupados servem de pretexto para o Irã armar atividades terroristas do Hamas e do Hezbollah contra israelenses judeus e contra o Estado de Israel, que Ahmadinejad já declarou disposto a erradicar do mapa. Além disso, é preciso considerar que a ocupação israelense é um dos ingredientes, embora não o principal, que alimentam o "jihadismo" e o antiamericanismo na região e no mundo.

O governo Obama, ao contrário de seu antecessor, parece disposto a jogar duro com a direita israelense. Esta encontra apoio apenas em fração minoritária do eleitorado americano, menos entre os judeus, a maioria de orientação liberal, e mais entre os evangélicos ultraconservadores, cujos votos, por ser negro e progressista, Obama jamais terá.

É cedo para julgar os resultados dessa estratégia. Os primeiros resultados, entretanto, começam a surgir, entre eles o acordo alcançado com a Rússia para a redução de 30% dos respectivos arsenais atômicos estratégicos, parte da reaproximação entre os Estados Unidos e aquele país, processo que levou os russos a integrar a coalizão a favor de sanções ao Irã. Menos visíveis, mas também importantes, são os avanços obtidos no combate à insurgência dos Talibãs, seja no terreno militar, seja no terreno político-social.

Se é cedo para julgar os resultados, não o é para apoiar uma estratégia que coincide com os interesses do Brasil. Ao miná-la, flertando com o Irã, a diplomacia brasileira faz, ainda que involuntariamente, o jogo da direita americana e da direita israelense, além do jogo de Ahmadinejad, todos eles interessados em ver o Oriente Médio e o mundo em estado de permanente confrontação.

DIRETOR EXECUTIVO DO IFHC, É MEMBRO DO GRUPO DE ACOMPANHAMENTO DA CONJUNTURA INTERNACIONAL (GACINT) DA USP E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM