Título: Cadastros da União e liminares do STF
Autor: Rebouças, Helder ; Pederiva, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2010, Economia, p. B2

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige do ente federado, beneficiário de transferências voluntárias, estar em dia com o pagamento de tributos e o cumprimento dos limites constitucionais de gastos com saúde e educação.

Essas transferências voluntárias são formalizadas por convênios e viabilizam a entrega de recursos financeiros a outros entes da Federação. Pela Instrução Normativa n.º 1, de 2005, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) disciplinou a realização das transferências voluntárias, criando o Cadastro Único de Convênio (Cauc), cujos registros podem impedir a celebração de convênios da União com Estados e municípios e as consequentes transferências financeiras.

No Supremo Tribunal Federal (STF) já foram concedidas liminares cujo traço comum consiste no entendimento de que a imposição dessas restrições, em razão dos registros no Cauc, depende do devido processo legal. Ressalte-se que a ausência de procedimentos que assegurem o contraditório e a ampla defesa dos Estados e municípios antes da inscrição no Cauc são um fator de insegurança jurídica. O STF, portanto, reconhece haver conflito federativo em situações nas quais, valendo-se de cadastros como o Cauc, a União impede a realização de convênios e até operações de crédito entre Estados e entidades federais.

Dada essa dimensão federativa, o Senado Federal aparece como a instância política legitimada pela Constituição para encaminhar soluções a tais conflitos. Por exemplo, o projeto de lei do Senado n.º 350, de 2009 - Complementar, determina que as exigências para a realização de transferências voluntárias devem ser atestadas quando da assinatura do convênio e da liberação da primeira parcela da transferência financeira. Isso impediria que houvesse suspensão das transferências ao longo dos convênios.

Mas a autonomia financeira dos Estados e municípios há que ser efetiva. Hoje, a União fica com cerca de 70% da arrecadação bruta. Os Estados se apropriam de 26% e os municípios de apenas 4%, segundo dados divulgados pela Receita Federal no estudo Carga Tributária no Brasil - 2008. Além disso, a Constituição Federal não admite que os Estados e municípios criem novos tributos. A União, ao contrário, está apta a criar novas espécies tributárias como as contribuições, que não são repartidas com os demais entes federados.

A pretensa punição financeira decorrente do Cauc deve ser submetida ao exame do Judiciário, porque, per si, não é eficaz para aperfeiçoar a gestão fiscal. Ao contrário, pode agravar a situação financeira dos entes subnacionais, impedindo a prestação de serviços à própria coletividade. A posição do STF se justifica, ainda, porque o fundamento legal do Cauc tem sido a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que não é de caráter perene. Para cada ano há uma nova LDO. Isso potencializa, anualmente, dispositivos distintos e até mesmo contrários, sendo temerária a utilização do Cadastro para fins punitivos, ainda mais pela via de instruções normativas produzidas fora do debate democrático.

Não se pode, porém, desconhecer os problemas que envolvem as transferências federais. Sobre o assunto, este jornal, em 29 de março último, divulgou, em matéria intitulada Repasse federal gera corrupção, estudo de quatro economistas da Universidade Bocconi, de Milão, associando um aumento de 10% nas transferências federais para os municípios brasileiros a uma alta da incidência de corrupção de 12 pontos porcentuais. Disso tudo, logo se vê que a regulamentação do Cauc e de sua utilização não pode ser obra apenas técnica. É, sobretudo, política, porque diz respeito à relação entre os entes federados, tema de índole tipicamente constitucional.

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DA SECRETARIA DE COORDENAÇÃO TÉCNICA DA PRESIDÊNCIA DO SENADO, DOUTORANDO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (HELDERM@SENADO.GOV.BR) E CONSULTOR DO SENADO, DOUTORANDO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELO CENTRO DE PESQUISA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC) DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA