Título: Texto da ata provocou saída de Mesquita
Autor: Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2010, Economia, p. B10
Ex-diretor não teria gostado das explicações do Copom para manutenção do juro em março
Em meio às tratativas políticas que resultaram na permanência de Henrique Meirelles no Banco Central, o presidente da instituição teve de cuidar de outro foco de tensão, dessa vez na própria diretoria da instituição. Pessoas próximas a Mario Mesquita, ex-diretor de Política Econômica do BC, afirmam que ele teria decidido deixar o cargo no fim da noite de terça-feira da semana passada, a poucas horas da publicação do Relatório Trimestral de Inflação, por estar contrariado com explicações dadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para a manutenção do juro em março. O ex-diretor nega.
O então diretor teria anunciado oficialmente sua decisão na mesma noite em que Meirelles participou do jantar com a cúpula do PMDB para decidir o futuro político. O encontro com os políticos, oferecido pelo presidente do partido e da Câmara, Michel Temer, foi decisivo para Meirelles permanecer no cargo.
Em nota, Mesquita nega que deixou o cargo contrariado. Segundo ele, o cronograma de saída havia sido acertado previamente com Meirelles. "Não é verdade, portanto, que eu sai do BC naquela data por discordar dos termos da ata da última reunião do Copom ou do Relatório Trimestral de Inflação." O ex-diretor argumenta que a ata foi redigida sob sua coordenação e a decisão de deixar o cargo foi comunicada à sua equipe no almoço da terça-feira, "antes da finalização do Relatório de Inflação".
Apesar de Mesquita negar, fontes próximas a ele ouvidas pela Agência Estado reafirmaram que o desconforto em permanecer no cargo começou na elaboração da ata da reunião de março. Ele teria ficado desconfortável durante a construção de trechos do documento por uma incongruência dos fatos: o Copom manteve o juro, mas a ata trouxe argumentos favoráveis ao aumento, chegando a afirmar que houve "consenso" sobre a necessidade de elevação da Selic.
Surpresa. O texto publicado na quinta-feira, 25 de março - seis dias antes da saída de Mesquita -, causou surpresa em parte do mercado financeiro e foi questionado por analistas, que avaliaram a ata como "incompatível" com a decisão.
Nos dias seguintes, o desconforto do ex-diretor aumentou na elaboração do Relatório de Inflação. O documento tentou esclarecer a questão que gerou polêmica dias antes no mercado financeiro. Para isso, o texto trouxe à tona um "cronograma" da "estratégia de saída" da crise, fato desconhecido pelo mercado. O plano tinha como principal medida o retorno à normalidade das condições monetárias.
Nesse trecho do documento, os diretores do BC reafirmaram a opção por manter o juro e argumentaram que as projeções de mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2011 "posicionavam-se, e a rigor ainda se posicionam, abaixo da meta". Vale lembrar que o BC usa as projeções de referência - da própria instituição - para as decisões de política monetária.
Além disso, o colegiado levou em conta o efeito esperado do desarme de medidas adotadas na crise, como a mudança das alíquotas do depósito compulsório e impostos. O Relatório diz, ainda, que a antecipação do aumento do juro em março "envolveria custos consideráveis". Tantas explicações teriam o objetivo de suavizar o discurso de dias antes da ata do Copom. Isso teria sido entendido por Mesquita como uma forma de enfraquecer sua avaliação do cenário econômico que, a seu ver, requeria a alta da Selic em 0,5 ponto já em março.