Título: Novo fóssil pode ser ancestral do homem
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2010, Vida, p. A20

Espécie inédita de hominídeo mistura características primitivas e ''modernas''

A história da evolução humana acaba de ganhar mais um personagem, com pinta de protagonista. Pesquisadores na África do Sul anunciaram ontem a descoberta de uma nova espécie de hominídeo, chamado Australopithecus sediba, que viveu há quase 2 milhões de anos e pode ser a linhagem da qual se originaram os seres humanos modernos.

Dentre todos os tipos de australopitecinos conhecidos (agora são cinco), este é o que mais se assemelha aos primeiros representantes do gênero Homo, como H. habilis e H. erectus, que deram origem ao Homo sapiens.

Vários ossos de A. sediba, incluindo um crânio em ótimo estado de preservação, foram desenterrados de uma região cavernosa próxima a Johannesburgo. Eles pertenciam a dois indivíduos pré-históricos: um jovem, com 10 a 13 anos de idade, e uma mulher, com cerca de 30.

A datação dos sedimentos nos quais os fósseis foram encontrados indica que eles morreram cerca de 1,9 milhão de anos atrás, posicionando a espécie num período crucial da evolução humana, em que versões mais modernas de Australopithecus estavam dando lugar a versões mais primitivas de Homo.

O A. sediba desponta nesse cenário como uma espécie transitória, com características de ambos os gêneros. Sua morfologia geral é típica dos australopitecinos, com cérebro pequeno, baixa estatura, braços longos e pernas curtas. Mas há peculiaridades no formato de seu crânio e sua pélvis que o colocam mais próximo do gênero Homo.

"Se fosse só pela pélvis, eu diria que é um Homo erectus", disse o pesquisador Lee Berger, do Instituto de Evolução Humana da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, principal responsável pela descoberta e pela descrição dos fósseis, publicada na revista Science.

Em entrevista coletiva por telefone, Berger contou que sua primeira inclinação foi classificar a espécie como Homo. No fim das contas, porém, várias características primitivas - principalmente os braços longos e a cabeça pequena - mantiveram o fóssil entre os australopitecinos. A capacidade endocraniana do A. sediba era de 420 cm³, só um pouco maior do que a de um chimpanzé (350 cm³). O homem moderno tem 1.300 cm³.

O que não diminui a importância da descoberta. Tal mosaico de características qualifica o A. sediba como um forte candidato a ancestral direto do ser humano. Trata-se de uma eleição disputada. Assim como há várias espécies descritas de Australopithecus, há várias espécies de Homo, e não há consenso entre os cientistas sobre como cada uma se relaciona com a outra no emaranhado de galhos e raízes da árvore que deu fruto ao Homo sapiens. As únicas "certezas", aparentemente, são que os Australopithecus deram origem ao Homo, e que o Homo erectus deu origem ao Homo sapiens.

Cabe aos paleoantropólogos, agora, encaixar o A. sediba nesse quebra-cabeça. Ele pode ser um ancestral direto do Homo erectus, ou só mais um australopitecino que se extinguiu sem deixar descendentes - um galho morto da árvore, por assim dizer.

"A grande pergunta é: Qual linhagem de Australopithecus deu origem ao homem?", diz o pesquisador Walter Neves, diretor do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo. O A. sediba, segundo ele, é um bom candidato morfológico, desde que sejam encontrados fósseis mais antigos da espécie - já que o gênero Homo surgiu há mais de 2 milhões de anos (anterior aos fósseis descritos na Science).

Berger já adianta que há outros dois esqueletos de A. sediba sendo desenterrados. Para o pesquisador, mesmo que a espécie não seja um ancestral direto do homem moderno, seus fósseis servem como uma "máquina do tempo" para o estudo do processo evolutivo que levou ao surgimento do Homo sapiens.

A morfologia da pélvis, dos braços e do crânio indica que o A. sediba já caminhava com facilidade sobre duas pernas, mas ainda tinha hábitos arborícolas. E reforça a teoria de que o bipedalismo evoluiu antes (e talvez independentemente) do crescimento do cérebro. "Vocês ainda vão ouvir falar muito do A. sediba", profetiza Berger