Título: Políticos são contra voto facultativo porque ele quebra reserva de mercado
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2010, Nacional, p. A10

Entrevista , Dora Kramer

colunista

Em 1987, a jornalista Dora Kramer transferiu-se do Rio de Janeiro para Brasília, onde acompanhou os principais acontecimentos da vida nacional, a começar pela Assembleia Constituinte, em 1988.

Nesta entrevista, Dora lamenta que a política não tenha acompanhado os avanços ocorridos em diversos setores do País. Para ela, uma mudança radical só vai acontecer se o Poder Executivo se empenhar em apresentar um projeto que mobilize a sociedade. O centro dessa proposta, diz Dora, deve ser o voto facultativo.

O que houve de melhor e de pior, nos últimos 25 anos, na política brasileira?

O que teve de melhor, claro, foi a redemocratização. De pior foi que a política não se modernizou. A economia se abriu, a sociedade avançou, ficou mais exigente, mas a política continua sendo feita de uma maneira completamente antiga.

Nesse período pós-redemocratização, que episódio ou experiência não deveria se repetir jamais e o que deveria ser seguido?

Independência do Congresso é o tipo de comportamento que deve ser repetido. Aquele comportamento que teve o Congresso no impeachment do Collor, de não se dobrar ao Executivo. Episódios de submissão do Congresso não deveriam acontecer. O Executivo usa sua força para submeter o Legislativo. Essa relação fere o cerne da República, que é o equilíbrio entre Poderes. É usual se atribuir a responsabilidade às medidas provisórias, como se materializassem a supremacia do Executivo sobre o Legislativo. A medida provisória é um instrumento que o Executivo usa de maneira inadequada porque o Legislativo não exerce a prerrogativa que tem de limitar esse uso. É tudo distorcido. Os partidos inexistem, as relações são pessoais, não orgânicas. Isso vem piorando. O eleitor, que deveria ser o protagonista, continua a ser coadjuvante.

Reforma política é solução ou uma desculpa para não haver mudança?

É uma conversa que não sai do papel. O Congresso não quer mudanças. É óbvio que se precisa reformular o sistema político partidário eleitoral. O Brasil é um dos poucos países que têm voto obrigatório, voto proporcional, nosso sistema eleitoral é completamente antiquado, deformado. Não sei se é ingênuo, idealista e irrealista da minha parte, mas só vejo uma maneira de fazer uma reforma que atenda o interesse do eleitor. Como a gente tem o presidencialismo forte, imperial, o jeito seria ter um presidente ou uma presidente que, no início do mandato, faça uma proposta referida no interesse do eleitor. Um Executivo que tenha força política e diga "acabou a brincadeira, vamos fazer". E venha com a força da sociedade. Tem que ter uma proposta que mobilize as pessoas.

Que proposta envolveria a sociedade?

Voto facultativo. Não é com conversinha de voto distrital. Ninguém nem entende o que é voto distrital. Tem que ser uma questão de impacto. Se jogar uma bandeira, você envolve a sociedade. Mas a maioria dos políticos é contra voto facultativo, porque ele quebra reserva de mercado. E grande parte da sociedade tem uma ideia de que as pessoas não estão educadas para votar. E eu pergunto: quando é mesmo que vão estar educadas? Em 2023? Não sei que história é essa de que só as elites vão votar. Os partidos vão ter que ralar para fazer as pessoas votarem.