Título: Livro expõe meandros da era Lula
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2010, Nacional, p. A10

Colunista Dora Kramer lança obra com 99 textos analíticos que publicou no Estado desde 2001, no final do governo FHC

Num País onde esperteza é virtude e os políticos se orgulham de seus conluios, é preciso saber revirar o fundo das coisas para capturar nos avessos a verdade sonegada. Dora Kramer, analista política do Estado, faz isso há 15 anos com habilidade e uma indignação republicana. É natural, portanto, que seu novo livro se chame O Poder pelo Avesso.

São 99 crônicas políticas, selecionadas entre as que a colunista publicou no Estado ao longo dos últimos nove anos. Editado pela Editora Barcarolla, o livro tem 414 páginas e custa R$ 38. Será lançado amanhã à noite em São Paulo, na Livraria da Vila dos Jardins (Alameda Lorena, 1.731), e na quarta-feira no Rio de Janeiro, na Livraria Argumento (Rua Dias Ferreira, 417, Leblon).

"Não há uma divisão rígida de assuntos", avisa a autora em sua introdução. "O que conduz os relatos é o passar do tempo." E que tempo esse, entre um final esgarçado do governo Fernando Henrique Cardoso os sete primeiros anos de Luiz Inácio Lula da Silva, tão recheados de waldomiros, severinos, mensalões e aloprados.

O passeio por esses meandros e avessos começa em agosto de 2001, com a crônica Desejo de Mudar - num momento em que Roseana Sarney decolava nas pesquisas e Duda Mendonça ainda não tinha inventado o Lulinha Paz e Amor. A viagem termina em outubro de 2009, quando a autora aponta o dedo impaciente para a fraqueza das oposições, em Uma Nação de Cócoras. Entre esses dois extremos escorre a era Lula - à qual Dora dedica seu olhar agudo e cheio de ironias, seja por um Congresso subserviente, uma Justiça complacente ou pelos aventureiros de plantão, em partidos e sinecuras. E com o presidente da República, por ser como é, funcionando como eixo central a unir todas as paisagens.

Não é pirraça de oposicionista. Os leitores sabem com que vigor Dora Kramer descompôs, seguidamente, os malfeitos dos tempos tucanos, aos quais dedicou outro pacote de crônicas, O Resumo da História, nos anos 90. Mas ela confessa: não é fácil manter a independência quando os poderosos de plantão, os de agora, consideram inimigo qualquer um que deles discorde. "A crítica era vista, naquele início (do governo Lula), como um ato de lesa-pátria. Hoje é tida como coisa de golpista", afirma.

Oposição. Não bastasse a força de suas análises, Dora se notabilizou pelos títulos das crônicas - ácidos, engraçados, surpreendentes. Brincadeiras com livros e filmes estão por toda parte: O Silêncio dos Indecentes (para o mensalão), O Ovo da Serpente (para a intolerância contra Larry Rohter), Amargo Regresso (para José Dirceu voltando à Câmara), Crônica de um Atrito Anunciado (entre o PT "puro" e os pragmáticos). O bom-humor se faz presente em textos como Osso Duro de Largar, Sob o Rigor da Lei de Gerson, Autossuficiente da Silva...

Não poderia faltar, na lista, um memorável texto de fevereiro de 2005, A Quase Lógica do Senso Comum. Nele se discute um original diagnóstico sobre a forma de raciocinar e discursar do presidente Lula, que foi tese de Luciana Fernandes Veiga, uma estudiosa carioca. Essa "quase lógica" consiste na arte, praticada por Lula, de emitir raciocínios particulares e vesti-los com o manto de premissas seríssimas. Estas acabam sendo aceitas, segue o argumento, porque Lula "comunga as crenças e valores de seus interlocutores". Mas, como adverte a autora, são "desprovidas de nexo causal".

E por que sobrevivem? Quem sabe porque as oposições, como Dora aponta no derradeiro texto, Uma Nação de Cócoras, andam desprovidas de coragem. O que deve parecer estranho à autora, tão determinada no desembrulhar dos infinitos avessos da política nacional.