Título: Nunca foi tão fácil para um emergente levantar dinheiro
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2010, Economia, p. B5

Levantamento mostra que emissões de renda fixa por países como Brasil e China atingiram US$ 157 bilhões no primeiro trimestre

Até pouco tempo atrás, empresas e o governo brasileiro esperavam as chamadas janelas de oportunidade para captar dinheiro no exterior. Com a crise, que deixou combalidos os países desenvolvidos e ressaltou as qualidades dos emergentes, essa realidade mudou drasticamente. Abriu-se um portão enorme para essas emissões, que, segundo analistas, vai levar muito tempo para fechar - se é que vai fechar.

Nunca na história recente do mundo empresas e governos de nações em desenvolvimento captaram tantos recursos no mercado internacional como no primeiro trimestre de 2010. Segundo levantamento da agência Bloomberg, foram US$ 157 bilhões, um recorde absoluto para o período desde que a companhia começou a fazer esse tipo de medição, em 1999.

"A maior vantagem do momento atual é que temos uma estrada de mão dupla: de um lado, os investidores internacionais estão em busca de retornos mais altos; de outro, quem precisa captar consegue fazê-lo pagando taxas historicamente baixas", disse o superintendente de renda fixa da Itaú Asset Management, Ronaldo Patah. "Ou seja, é bom para todo mundo."

Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entre janeiro e fevereiro, as captações brasileiras no exterior somaram US$ 3,7 bilhões, 50% a mais do que no mesmo período do ano passado. Entre as empresas que acessaram o mercado estão Votorantim, BicBanco, Banco do Brasil, Brasil Foods (BRF) e Banco Pine.

Os dados de março ainda não foram fechados, mas, segundo cálculos extraoficiais do mercado, foram ao menos outros US$ 2 bilhões. Quarta-feira, por exemplo, a unidade brasileira do banco Santander vendeu US$ 500 milhões no mercado dos Estados Unidos, pagando taxa de juros de 4,5% ao ano.

Tudo indica que vem mais por aí. Terça-feira, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, informou que o governo retornará ao mercado internacional nas próximas semanas. A última captação realizada pelo Tesouro foi em dezembro do ano passado. Na ocasião, os bônus pagaram taxa de juros de 4,75% ao ano, a menor da história do País. Circulam ainda rumores no mercado de que o Itaú Unibanco emitirá no exterior nesta semana.

Combinação. O pano de fundo para o cenário é dado pela combinação de juros baixíssimos nos países desenvolvidos com a melhora relativa dos emergentes na área fiscal. Relativa porque se deu, em grande medida, pela piora dos desenvolvidos.

Para estancar a crise, as nações ricas lançaram mão de enormes gastos públicos e política monetária frouxa. Hoje, por exemplo, os juros básicos nos Estados Unidos estão praticamente em zero, mesmo nível do Japão. Na Europa, a taxa básica é de 1%. "Nesse ambiente, é natural que o investidor procure mercados que ofereçam rentabilidade maior", afirmou o professor de finanças do Insper (ex-Ibmec São Paulo) Ricardo Fontes.

Preferidos. Em termos de política fiscal, o déficit nos EUA no ano passado, por exemplo, se aproximou de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Apenas para comparar, no Brasil, o buraco foi de pouco mais de 3% do PIB.

A chamada relação dívida/PIB, principal medida para avaliar a solvência de um país, já supera os 100% em vários países desenvolvidos, como Itália e Japão. Nos EUA, deve alcançar 90% nos próximos anos. No Brasil, está ao redor de 41%.

Nesse cenário, comenta o coordenador de fundos diferenciados do Itaú Unibanco, Guilherme Rebouças, o dinheiro fluiu para os "bons" emergentes, como China, Índia e Brasil.

No caso específico do Brasil, aliás, os analistas acrescentam mais um fator positivo: os efeitos do chamado grau de investimento - qualificação concedida por empresas de análise de risco, que indica que o emissor de um dívida tem pouquíssima chance de dar calote no credor.

"O Brasil recebeu o primeiro grau de investimento em abril de 2008. Logo depois, explodiu a crise. Ou seja, houve um represamento. Hoje, o País se beneficia, tardiamente, da nota concedida naquele momento", explica o vice-presidente de Tesouraria do Banco WestLB, Ures Folchini.

Segundo os analistas, o principal risco para o cenário de bonança é uma alta dos juros nos países desenvolvidos. Por ora, no entanto, essa elevação não está no radar. Em entrevista recente ao Estado, o economista-chefe do banco Goldman Sachs para os EUA, Jan Hatzius, disse esperar uma mudança na política monetária do país apenas em 2011.